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HISTÓRIA

Minas e a Nação

Antonio de Paiva MOURA


Pensamos numa Nação brasileira constituída tal qual é: múltipla, heterogênea e grande como sabemos. O Brasil não é como a Espanha, um Estado multinacional e multicultural. A unidade nacional brasileira foi herdada da política de colonização portuguesa que determinou seu império e desse resultou o Brasil. Agora, estranhamente, o historiador Luiz Felipe de Alencartro vem com a teoria de que a Nação brasileira existia e que desapareceu, ou que está por se fazer. Está à procura de um "topus" ou nicho irradiador. Talvez aquilo que ideologicamente se chama de altar da pátria. Diz ele, então, que seria o caso de ajuntar os pedaços do Brasil para compor uma idéia de nação que na verdade começa com o ciclo do ouro em Minas Gerais, no século XVIII, que cria um mercado centrado nacionalmente, que dá origem, se se quer, a uma protonação. "E no século XIX que irá se constituir, e nesse sentido, o papel do Rio de Janeiro, maior centro cultural, econômico e político do Brasil, será decisivo. Esse é um dos problemas do Brasil de hoje. Nem Brasília, nem nenhuma outra cidade brasileira tem ou terá o papel que o Rio de Janeiro teve. Todos iam aprender o Brasil lá". (ALENCASTRO, L. F. 2000)
O Rio de Janeiro como sede do Vice-Reinado, sedo Governo Geral do Brasil e logo depois sede da Corte, tratou de tirar enorme proveito dessa situação, tanto do pondo de vista econômico quanto cultural. Além da defesa de interesse propriamente dito português a Capitania do Rio de Janeiro empenhou-se na condenação dos inconfidentes e punição dos evolvidos, de modo a desmontar Minas Gerais. E realmente isso ocorre com o estado de terror implantado nas cidade mineiras. Diz Carrato que a onda de ódio e ressentimentos foi crescendo de tal forma, que o Visconde de Barbacena começou a sentir-se inseguro, em sua posição de verdugo, tanto dos réus da Inconfidência como de tantos inocentes. A eles ligados pelos laços do sangue, familiares que eram das principais e mais poderosas da capitania. Boa parte da sociedade continua reagindo às perseguições, ainda de forma clandestina, como no roubo da cabeça de Tiradentes, tão bem narrada por Bernardo Guimarães. Mas o grande protesto generalizado do povo foi o exílio, para longe das autoridades régias. Essa fuga para os meios rurais e para os extremos da Capitania acaba ampliando o território de Minas Gerais, coincidindo com a escassez de ouro aluvial das antigas jazidas. É o que Carrato chama de verdadeira diáspora. (CARRATO, J.F. 1968)
Daí o fato de os críticos e os historiadores navegarem no estereótipo de que Minas Gerais esteve em recesso durante todo o período monárquico. Assim acreditando, só valorizam a arte e a cultura barrocas. O fator econômico contribuiu para a queda na produção cultural de Minas mas não deve ser visto como determinante. As mudanças nos padrões estéticos e técnicos das artes de um modo geral e a substituição do mecenato, deixam Minas Gerais confusa na primeira metade do século passado. Oscar Mendes, não podendo contar com estudos atualizados da literatura mineira do século XIX, repete esse chavão decadentista achando estranho a parca contribuição mineira na esfera do Romantismo no Brasil. (MENDES, O 1978) Acontece que essa visão histórica foi forjada ainda no século passado e tenta justificar a exclusão dos mineiros das posições meritórias de relevo, mas na verdade, sempre incompreendidos pela originalidade de suas obras. Minas Gerais sofre enormes transformações em todos os pontos de vista: econômico, político, social e cultural. As três primeiras décadas do século XIX foram dedicadas à reformulação das bases políticas e das estratégias econômicas. Se houve um período de desordem, crise, estagnação, não houve, contudo, morte da cultura mineira. O mesmo fenômeno ocorre em todas as províncias do País. Exceção quase que somente para São Paulo e Rio de Janeiro.
"Todos iam aprender o Brasil lá", significa que todos artistas e escritores deveriam se submeter aos cânones impostos pela Metrópole. Bernardo Guimarães (1825/1884), por coincidência escreveu seu primeiro livro de romance indígena "O Ermitão do Muquem", no mesmo momento em que José de Alencar (1829/1877 lança no Rio de Janeiro "O Guarani" (1858). José de Alencar se envolve com a atmosfera academicista do Rio de Janeiro e dá ao romance a beleza lírica que encanta. Bernardo Guimarães, ao contrário, era mais do tipo romântico-realista. Não aceita os cânones impostos pelas correntes academicistas. O estilo nos romance de Bernanrdo Guimarães é dele mesmo. A forma de nomear os personagens; a descrição dos cenários; frase cuidada do roceiro ou do índio; a trama carregada de realismo e beleza natural. Tudo isso redunda em um modo pessoal de escrever de Bernardo Guimarães. Da mesma forma que Aleijadinho e Athayde, que em função da pessoalidade de seus estilos, Bernardo Guimarães foi desprezado pela Corte.
O segundo exemplo de talento mineiro de estilo inconfundivelmente próprio foi Joaquim Felício dos Santos (1828/1895), autor do romance indígena "A Acaiaca" (1866) , editado no Rio de Janeiro. O realismo e a ironia do romance redundam em obstáculo à sua circulação na Corte.
O terceiro autor mineiro, Afonso Arinos, (1868/1916) , do qual se pode dizer o mesmos que os primeiros, embora com algumas diferenças com relação a Bernardo Guimarães. Começa que Arinos é 43 anos mais novo. Aos 15 anos de idade foi estudar no Rio de Janeiro. Toda a sua juventude foi participando de concursos literários; publicando poesias e contos; colaborando com expressivos periódicos do Rio de Janeiro; realizando importantes viagens culturais. Obteve domínio da forma clássica da narração. Por isso foi, de certa forma, reconhecido na Corte. Mas o conteúdo temático de sua prosa não agradava à elite letrada: a vida bucólica; o homem do campo; o sertanejo de Minas Gerais. Os mesmos personagens com os quais, um século mais tarde, já longe dos censores academicistas, Guimarães Rosa vai encantar o mundo, desencubando a civilização mineira.
A vasta obra de João Guimarães Rosa (1807/1967) revela que o tempo e as intempéries não conseguiram destruir a alma da Nação brasileira, cravada nas montanhas e vales mineiros, como a imagem de uma pintura rupestre fossilizada nas lapas calcárias dos sertões de Minas Gerais: a honestidade como lema de vida; a religiosidade gestual e coloquial; a vida familiar como extensão da vida comunitária; a solidariedade; o silêncio e a escacasses da fala como fonte de sabedoria; moderação na vestimenta e na alimentação. Tudo isso redunda em qualidades indispensáveis à Nação.
Juntamente com Guimarães Rosa, atuando na outra esfera do saber (histórico, antropológico e sociológico) está o magnifico Alceu de Amoroso Lima, desvendando a alma mineira em suas qualidades essenciais. (LIMA, A A 1983) Em minucioso estudo revela no mineiro, entre outros os seguintes dotes psicológicos: o humor irônico sem afetação de preconceitos; maldade defensiva; capacidade de trabalho tanto no campo intelectual quanto no físico ou manual; vivacidade na prática e na teoria políticas; criatividade e originalidade nas artes e nas ciências; consciência do papel histórico da sociedade de seu Estado e da Nação a que se integra.
Felizmente a Nação brasileira é o somatório de tudo. Diz Amoroso Lima que o Brasil é um só e cada grupo de sua população tem qualidades que entram em composição com os outros grupos para constituir a psicologia coletiva do provo brasileiro (1)
Por tudo que acabamos de inferir, solicitamos do historiador Luiz Felipe Alencastro que quando estiver com as mãos na massa para realização do projeto de construção historiográfica da Nação brasileira, não se esqueça da Minas Gerais pós-colonial e pós-barroca.



(1) - Enquanto vejo em São Paulo ou no Ceará, por exemplo, o espírito de irradição social, vejo em Minas o espírito de receptividade e concentração. Não são ambas tão indispensáveis ao equilíbrio da civilização brasileira, como o equilíbrio de defesa do pernambucano ou do gaúcho ? (LIMA, A A . 1983)


ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O Brasil transatlântico. Folha de São Paulo, (Mais) São Paulo, 18 de jun. 2000.

CARRATO, José Ferreira. Igreja, Iluminismo e escolas mineiras coloniais. São Paulo: Nacional, 1968

LIMA, Alceu de Amoroso. A voz de Minas. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

MENDES, Oscar. As letras mineiras no século XIX. Revista do Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais. Belo Horizonte: Conselho Estadual de Cultura, Nº 7, 1978.



A P Moura é professor da Escola Guignard - UEMG
e História de Minas no UNI-BH.