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O MOVIMENTO REPUBLICANO
O Movimento Republicano em Minas Gerais.

Antônio de Paiva MOURA

Em Minas não houve campanha expressiva, antes do Manifesto Republicano de 1870. Justifica-se pelo estado de decadência urbana ocorrida na Província desde a devassa da Inconfidência Mineira, cuja repressão visou também inibir as idéias republicanas, obrigando os mineiros a se refugiarem no silêncio. A rebelião liberal de 1842, embora liderada por um republicano convicto como Teófilo Otoni, não oportunizou a tendência republicana. O presidente rebelado da Província, o Barão de Cocais, não permitia a inserção de tal tendência no referido movimento. Embora a punição aos revoltosos de 1842 tenha sido suave e condescendente, ela refletiu sobre Minas de forma duradoura, pelos prejuízos morais da derrota. O Partido Liberal não conseguia se impor junto ao eleitorado, sempre vencido e encurralado pelos conservadores.
Antes do Manifesto de 1870, alguns centros urbanos que se despontaram com relativo progresso, a exemplo de Diamantina, Juiz de Fora, Campanha e Pouso Alegre, tiveram oportunidade de expressar idéias republicanas por oposição ao regime monárquico brasileiro. Mas Diamantina foi a primeira cidade a fundar um jornal de tendência republicana, sob a responsabilidade editorial de Joaquim Felício dos Santos, em 1860, embora se manifestasse oficialmente só depois de 1870. Vale destacar uma novela publicada periodicamente, assinada por Joaquim Felício dos Santos, com o título "Páginas da história do Brasil, escrita no ano 2000". Obra de ficção literária mas que objetivava ridicularizar a história da Monarquia e exaltar as idéias republicanas. Em 1869, Manoel de Souza, conservador, através do jornal de Ouro Preto "O Noticiador de Minas", desfechou violento ataque ao jornal "O Jequitinhonha" por este ter aderido ao Movimento Republicano quase que isoladamente em Minas. Na edição de 4 de abril de 1969, "O Jequitinhonha" responde ao "Noticiador de Minas" com demonstração de muita erudição e firmeza de propósito. Ridiculariza os ideais republicanos de Platão e aponta para a moderna República norte-americana, por sua objetividade e concretude.
Alguns mineiros foram signatários do Manifesto Republicano de 3 de novembro de 1870 no Rio de Janeiro, a exemplo de Cristiano Otoni e Lafaiete Rodrigues Pereira. Teófilo Otoni havia falecido um ano antes do manifesto. A partir dai, foi como a abertura das cortinas de um palco de teatro. Os atores e os espectadores entraram em ação, isto é, de repente as adesões e a formação de clubes ou diretórios republicanos, nas cidades e vilas mais distantes do centro do território mineiro como Diamantina - O proprietário do jornal O Jequitinhonha, Herculano Magalhães Castro e seus jornalistas; Juiz de Fora -Tomas Cameron, de O Farol; Campanha - Lúcio de Mendonça, em O Colombo; Uberaba - através do jornal Eco do Sertão.
Em Ouro Preto concentravam-se mais as forças conservadoras, manifestando-se através de jornais como: O Conservador Mineiro, O Constitucional, O Noticiador de Minas e A Província de Minas, embora contasse também com uma atuante imprensa republicana, como O Movimento.
Não podemos conferir à divulgação do Manifesto um valor único na repentina expansão do Movimento Republicano em Minas. Não foi um toque mágico capaz de fazer fluir alquilo que antes era apenas latente. Ele foi somente um instrumento de organização e aglutinação de forças contrárias à Monarquia, aproveitando-se de crises acumuladas desde o início da década, como podemos enumerar:
- Descontentamento pelo desgaste da nação na pirrônica, Guerra do Paraguai, que além de ter causado perdas materiais ou financeiras ainda oportunizou aos militares um contato com o modelo republicano da América Latina.
- A Questão Religiosa que no regime de padroado exigia do monarca uma irrestrita fidelidade ao catolicismo romano. O envolvimento de D. Pedro II com a Maçonaria, culminando com a punição dos bispos de Olinda e de Belém do Pará, fragilizou o relacionamento da Igreja com a Coroa fazendo muitos católicos optarem pelo sistema republicano. Diz Cônego Raimundo Trindade que a representação do bispo de Mariana, Dom Viçoso, ao imperador, a propósito da questão maçônica, produziu um efeito inesperado pelo modo corajoso em que atacou a Maçonaria (1). A partir dai o clero mineiro continuava monarquista mas distanciado do monarca em exercício.
- Campanha abolicionista cada instituição (Partido político, Corte e Igreja) tinha um modo próprio de encarar a escravidão e o sentido da abolição. Embora na retórica o Partido Liberal tenha se utilizado de princípios humanitários, no fundo, queria substituir a mão-de-obra escrava por outra remunerada e de melhor qualidade. A maior circulação de moeda com a mão-de-obra assalariada, reverteria em benefício do mercado nacional. O partido conservador temia que a libertação dos escravos provocasse uma tremenda desorganização na economia. Na Igreja, desde 1840, Dom Viçoso, bispo de Mariana, já pregava contra a Escravidão. Em 1846, Dom João Antônio dos Santos, em sermão abolicionista, fala da "infame traficância de carne humana, como se vivêssemos nas matas, entre selvagens, ou no tempo da barbária". Como empresário que era, o bispo de Diamantina acrescenta, em tônica liberal, que o "catecismo enumera os pecados que bradam ao céu; entre esses está o de não pagar o salário aos que trabalham" (2). A idéia de libertação da escravidão ganha força nova com a Encíclica do Papa Leão XIII, de 1885, "Immortale Dei", em que prega a democracia e condena a escravidão.
- Regionalismo. Outro fator que contribuiu para o enfraquecimento do Sistema Monárquico e fez avançar o Movimento Republicano em Minas, foi a questão regional. Após a Inconfidência Mineira e nas primeiras décadas do período provincial, Minas Gerais tratou de ampliar seu território, mas continuava marginalizada pelo centralismo no Rio de Janeiro, em quase todos os setores como política, economia e cultura. A reação a tal política se fazia através de discursos parlamentares e manifestos publicados em jornais, como o editorial de "o Jequitinhonha", de Diamantina, em editorial do dia 4/4/1869: "Inepto e estéril por cálculo tem-se revelado o governo imperial nos melhoramentos materiais que as públicas necessidades reclamam. (...) Instituição caduca, a nossa monarquia continua para as províncias o sistema colonial português. (...) Na verdade, desde 1807 temos marchado na vereda estreita da centralização, esse cancro fatal da monarquia. (...) O Imperador quer que o Rio de Janeiro seja sempre o intermediário, forçando o comércio das províncias; que os produtos da Bahia venham a Minas por via da Corte"(3).
- Organização do Movimento. Os republicanos autênticos compreenderam que era necessário dar à campanha sentido organizacional, desvinculando-se do Partido Liberal, que por sua doutrina e interesses bem definidos, estava emperrando o Movimento em Minas. O escritor Júlio Ribeiro, escrevendo aos mineiros no jornal "A Revolução", de Campanha em 13/4/1889, recomenda a realização de seminários, clubes e outras formas de associação, de força coletiva, para reanimar a campanha em Minas. Logo após o Manifesto de 1870, Minas foi a província que melhor aderiu à República. Mas com a vitória do Partido Liberal, o individualismo próprio dessa corrente, contaminou os republicanos de Minas, que se acomodaram.
Mas a cobrança de Júlio Ribeiro quanto ao entusiasmo de Minas era fruto de sua ansiedade, pois no último ano da Monarquia os republicanos fizeram maioria nas eleições para o Senado, para a Câmara dos Deputados e para a Assembléia Provincial. Os republicanos mineiros sabiam que pela via do voto ou por meios pacíficos jamais chegariam ao poder. Por isso ficaram surpreendidos com o golpe de Deodoro da Fonseca, tendo sido uma decepção a forma pela qual foi proclamada a República.
A notícia da proclamação da República, em Minas, não causou agitação. Deodoro da Fonseca nomeou Cesário Alvim, um adesista de última hora, governador do Estado. Antonio Felício dos Santos, republicano autêntico ou histórico, foi designado para dar posse ao novo Governador de Minas. Não encontrando o nomeado, por sua conta e risco, deu posse ao seu conterrâneo Antonio Olinto dos Santos Pires. O visconde de Ibituruna, que era o governador da Monarquia, cedeu o lugar sem o menor questionamento. Mas uma série de equívocos viria depois da posse de Antonio Olinto, iniciando a história do Estado de Minas Gerais, na chamada República Velha, ou primeira República.



(1) - Trindade, Cônego Raimundo. Arquidiocese de Mariana. Belo Horizonte: Imprensa Oficial: 1953.
(2) - Almeida, Antonio da Rocha. Dicionário de História do Brasil. Porto Alegre: Globo, 1973.
(3) - Revista do Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte, 1990.


A. P. Moura é professor de História de Minas
FAFI-BH.


Publicado no jornal "Estado de Minas", Belo Horizonte, 14 nov. 1998.