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DIAMANTINA, PASSADO E PRESENTE.
Diamantina, passado e presente.

Antônio de Paiva MOURA

Revista "Kosmos", Rio de Janeiro, setembro de 1907. "Diamantina": título de uma crônica de Aristides Rabello ali publicada com uma linguagem objetiva, prática e realista, buscando as verdades escondidas pelo discurso idealista de sua época. Na medida em que trilha um caminho não clássico para a abordagem dos traços culturais dos diamantinenses, Aristides Rabello, há 74 anos, consegue nos falar de alguns aspectos que até hoje continuam vivos como ele os viu.

Primeiro parágrafo da crônica de Aristides Rabello 1907:

"Agora em setembro veio a baila no Estado de Minas", o nome da cidade de Diamantina; lá se reuniu no dia vinte, entre festas oficiais e pagodeiras do povo, um congresso das municipalidades do Norte do Estado. Foi um congresso como são todos os congressos: fez-se uma chamada, o presidente abriu a sessão, uns dormiram e outros lançaram idéias, discutiu-se, as horas passaram, o presidente encerrou a sessão. No fim nada de prático terá saído, ficando apenas a recordação das festas; dos banquetes para os que não são da terra e as dívidas para a administração. Conquanto isto seja verdade, o congresso de Diamantina é um acontecimento curioso: lá foi o presidente do Estado, lá estava a imprensa, lá foram pessoas de diversas partes. Diamantina foi muito vista e muito falada. Todos se convenceram de que é uma terra curiosa e rica de diamantes; todos se convenceram de que ali só falta o trabalho e o dinheiro; de que ali é uma fonte de riquezas ocultas; de que ali é um céu abandonado; de que aquilo deve continuar a ser um torrão ambicionado por seus tesouros; que o Norte de Minas é uma ignorada maravilha. Terão boas intenções, acharão que em parte alguma do universo se assa tão bem um lombo de porco e que aquele vinho lá fabricado é um assombro... mas apenas reentrados em seus eixos, farão política esquecendo a pátria. Assim, passados os três dias de festanças e mal desapareça o último hóspede farto, a curiosa cidade voltará à sua vida pacata. Vai um dia e volta outro, um garimpeiro preto cata aqui um diamante no seu carumbé; acolá uma companhia inglesa colhe uma fortuna na sua draga, um outro mineiro pobre perde o seu dinheiro a escavar uns buracos aqui. Acolá, uma companhia francesa absorve milhares de francos; a pasmaceira industria reina; a pobreza entra para a terra e a riqueza sai com os estrangeiros; a estrada de ferro continuará a distar 20 léguas; não existirão estradas; o governo lhe presenteará com uns quilos do jornal "Minas Gerais" e a Diamantina grata dará ao governo, de quatro em quatro anos, um deputado. É assim, sob este aspecto, que a princesa do Norte de Minas é uma interessante cidade.
Em 1972 a Secretaria de Estado da Educação levou para Diamantina o congresso da AMAE (Associação Mineira de Administração Escolar). De início discutiram-se as dificuldades infra-estruturais para a realização do congresso, alegando que a cidade não contava com hospedagens suficientes para 600 participantes. A prática revelou-se muito além das expectativas, uma vez que o povo de Diamantina, além de conseguir as hospedagens, deu assistência a cada congressista de modo excepcional. Além de proporcionar transporte para o local do congresso, levava os congressistas aos bailes, banquetes, serestas e a toda espécie de divertimento tradicional da cidade. Justamente naquele momento, para angústia dos diamantinenses, o governo estadual cogitava de tirar da cidade a Delegacia Regional de Ensino.
O ponto em que estava paralisada a estrada de ferro era Corinto, há 147 quilômetros de Diamantina. Dois anos depois da visita de João Pinheiro, em 1909, reinicia a construção que só terminou em 1914. Somente dezoito anos depois, em 1925, é que teve início a sonhada estrada de rodagem, mas com direção a Teófilo Otoni. Por muito tempo esteve paralisada por falta de verbas. O próprio povo custeou as obras de vários trechos. Em 1968 terminava a pavimentação asfáltica da rodovia federal até Diamantina, mas, a partir daí, perde o ramal ferroviário e a Diretoria dos Correios e Telégrafos.

Segundo parágrafo da crônica de Aristides Rabello 1907:

"Com os seus doze mil habitantes, longe da estrada de ferro e esquecida numa altura considerável sobre o mar, com o mais adorável clima, com a mais risonha natureza, vivendo inteiramente à moda colonial apesar da sua indústria morta e sua riqueza perdida, é a mais alegre, a mais pândega cidade de que se tem notícia. A impressão de um viajante (que lá é recebido como um príncipe) no fim de algumas noitadas de ceias e de piqueniques estrondosos, é de que ali tudo é crença e que a vida por lá é uma loucura. Dança-se o siriri nas ruas, joga-se baralho com a própria polícia (e note-se que lá é a sede do 3º Batalhão). Cada noite é de pagodeira, cada dia é dia santo em toda casa resplandece alegria, toca-se música por todo canto, mas o viajante ainda que lá fique todo um ano, não verá pelo comércio inteiro uma bolada de contato de réis! É, então, um mistério! Esta vida é um mistério! - dizem os diamantinenses - que se pasmam com sua vida lauta e conhecem a sua bolsa. Mas não pensam muito e vivem".
Ainda hoje, não há quem possa negar a hospitalidade e a amabilidade do povo de Diamantina, com suas profundas raízes históricas.
Na época colonial o contrabando do diamante era mais fácil que o do ouro. Para sustar as explorações clandestinas e evitar uma mobilidade social inconveniente, o Distrito Diamantino tornou-se uma ilha no centro do continente. O arraial foi cercado por todos os lados. Ninguém saía ou penetrava sem autorização superior e especial. Os poderes delegados aos contratadores e aos intendentes chegaram ao extremo do despotismo e das medidas repressivas. Na primeira década do século XIX, John Mawe visitou o Distrito Diamantinense e em seu relatório registrou: "Pedi licença a Sua Alteza Real para inspecionar as minas de diamantes do Serro Frio. Este favor não fora ainda concedida a estrangeiros. Nenhum português tivera licença de visitar o distrito a não ser para negociações que a ela se referissem, mesmo assim com precauções tais que impossibilitavam dar ao público descrição conveniente". Além disso, as grandes distâncias e uma constante falta de transporte deixavam Diamantina isolada até bem pouco tempo.
Esse incrível isolamento é que levou o diamantinense a desejar ardentemente a presença de um viajante e a cultivar a arte da hospitalidade. O diamantinense herdou da fidalguia lisboeta o gosto pelo conforto, pelo luxo, pelo banquete e pelo canto, mas não herdou a fortuna carregada para Portugal.

Terceiro parágrafo da crônica de Aristides Rabello 1907:

"Logo que o viajante chega em Diamantina, tratam de acomodá-lo, perguntam-lhe por seus negócios, é visitado e convidado para um divertimento qualquer. Não lhe falta quem se orgulhe de guiá-lo pela cidade, pois lá é uma honra sair-se à rua com pessoa de fora. E o viajante é levado ao barbeiro, que abandona os fregueses da terra para servir ao de fora e os fregueses não protestam. Esperam com muito gosto, examinam ao de fora, entram em conversa e oferecem-lhe a casa. O viajante está contentíssimo. Se é inteligente observa tudo, admirando aquelas ruas aladeiradas e sinuosas, encartuchadas de casas brancas; vê as capistranas (calçada de laje); admira aquele céu de azul forte, aquele ar dulcíssimo. Se entra numa loja é cercado de amigos e convidado para um siriri. À noite está ele, seja desembargador ou caixeiro viajante, numa roda de cantar. No dia seguinte os figurões da cidade dão-lhe um piquenique no Rio Grande, onde há um córrego de meio quilometro de cursos e uma serrania selvagem. Daí a oito dias o homem está pasmo com aquela terra, cativo com aquele povo, quase farto de pagodeiras. No fim de vinte dias está naturalizado diamantinense. Já está muito visto. Já não dá importância aos que com ele passeiam e o seu posto é substituído por um outro qualquer que chegue. Então o viajante é forçado a filosofar, com amargura, que tudo passa na terra, até o valor raro de um hóspede".
Atualmente o bairro Rio Grande limita-se com uma favela cujos casebres misturam-se com as enormes rochas do pé da serra. O córrego é turvo, sujo e fétido. Rio Grande não é mais mostrado aos visitantes, Biribiri, Gruta do Salitre, Cristais e Sentinela são lugares privilegiados por seus lagos naturais ou artificiais, por suas cascatas cristalinas e por maravilhosas paisagens rupestres. As estradas que levam a esses lugares não são boas, mas os diamantinenses, para motivar os visitantes, dizem que é compensador o sacrifício da poeira ou da lama em seis ou sete quilômetros; que as terras dos municípios são muito ricas em minerais, mas que a Prefeitura é muito pobre; que a administração pública estadual nada faz e que o ideal seria construir um balneário em Biribiri. Só assim teriam um turismo permanente e não periódico por ocasião das festas.
O festival de Inverno, depois de 13 anos de atividades em Ouro Preto, transferiu-se para Diamantina em 1981. Grande parte dos comentários ocupou-se em afirmar as diferenças entre o festival em Ouro Preto e o realizado em Diamantina. O traço diferencial aqui foi o da participação do povo em todas as atividades com um dinamismo e com um entusiasmo nunca visto. Foi o povo de Diamantina que deu vida e fez justificar a continuidade do festival. Ofereceu a oportunidade de um questionamento sobre os propósitos políticos dos seus mentores e proporcionou uma reforma no seu conteúdo.

Quarto parágrafo da crônica de Aristides Rabello 1907:


"E o trabalho? Por lá não há o ganha-pão! Em Diamantina se há o ganha-pão, não se ouve falar nele. Nas ruas não se vê a luta insana do labor, onde uma calma infinita reina. Não se vê uma carroça, não se ouve um ruído além de máquinas de costuras e algum martelo de sapateiro. Os sinos, estes sim! Dez igrejas bimbalham para tudo. O reverendo bispo não pode sequer dar um giro pelo terreiro do seu palácio, sem que as torres da cidade anunciem a grata nova dos fiéis. Nem sequer o apito de uma máquina a vapor. Os quatro jornais da terra são feitos em prelos tocados a braço. Mas esta estranha feição para uma cidade do século XX é própria de uma terra onde se cuida apenas do diamante e para transportar diamante não é necessário a estrada de ferro. E para extraí-lo? Aí eu não sei há necessidade de máquinas. Os estrangeiros que lá trabalham pelas redondezas as usam a granel. O mineiro, porém usa uma enxada e a batéia. Isto é mais poético, mais tradicional e o nosso povo é extremamente amante da poesia e das tradições. Vamos ver o que se decidirá depois da visita do Dr. João Pinheiro àquelas plagas esquecidas. Se ele é apenas poeta, deixará os diamantes dormirem lá o seu sono eterno. Se é industrial, como sabemos e talvez Diamantina merecendo-lhe as simpatias consiga uma estrada de rodagem.
Neste ponto, o quadro pintado por Aristides Rabellom, em 1907, continua com poucas alterações, tanto na sua forma quanto no seu conteúdo. Isto é, o diamantinense da atualidade trabalha a seu modo, mas trabalha muito. Grande parte das riquezas extraídas no município continua não pertencendo ao diamantinense.
Diamantina é uma cidade muito barulhenta, com um grande índice de automóvel por habitantes. As ruas estreitas, íngremes e sinuosas dificultam o tráfego de carros, ônibus e caminhões que usam as marchas lentas e buzinam nos cruzamentos.
Os diamantinenses esperam mais de meio século para ver encurtada a distância entre sua cidade e a capital e esperam até hoje que o asfalto prossiga ao encontro com a rodovia Rio-Bahia. Há mais de dois séculos esperam ver diversificadas as suas atividades econômicas. Esperam, ainda, que seu patrimônio histórico não seja depredado e que suas ruínas sejam recuperadas.



Publicada no jornal "Estado de Minas", Belo Horizonte, 13 jun. 1998.