CATAGUASES:
Um olhar sobre a
MODERNIDADE.







 

Uma tradição de modernidade

Antonio de Paiva Moura

Por que ? 

A presente obra foi motivada pelo empenho de um levantamento descritivo e analítico do patrimônio artístico modernista acumulado na cidade de Cataguases, desde as primeiras décadas do século XX. Com aliança de diversos setores da iniciativa privada e serviços públicos foi contratada uma equipe rica em valores intelectual, técnico e científico para a realização de tombamento do extraordinário acervo. A qualidade do trabalho final da equipe levou as instituições envolvidas no projeto à iniciativa de edição de um catálogo em formato tablóide com 34 páginas ilustradas intitulado Cataguases: um olhar sobre a modernidade. 
Por mais explícita que seja a evidência das artes modernas em Cataguases e por mais que se tenha gasto tinta com esse óbvio, ainda temos que responder a uma velha indagação: Por que Cataguases conseguiu tornar-se evidente no movimento modernista brasileiro com a projeção nacional através do "Grupo Verde", em 1927. Por que essa semente nasceu e floresceu com tanto vigor em todos os gêneros artísticos, nos quarenta anos seguintes a 1927 ? Para começo de polêmica, já que não podemos descartá-la, devemos procurar raízes e sementes da mentalidade modernista de Cataguases na forma intelectual e ideológica dos mineiros e brasileiros do século XIX. Como Cataguases é uma cidade do Sudeste do Brasil, podemos limitar nosso campo de análise a esta região. 
De imediato a nova mentalidade converte-se em resistência à cultura sedimentada através das ideologias da colonização, da qual o Barroco e o Rococó são marcas incisivas de difícil remoção. A cultura barroca estava associada aos interesses dos colonizadores e reinóis porque assimilou e difundiu as diretrizes do Concílio de Trento (1545/1563), no sentido da colonização da América; no combate ao protestantismo e outras manifestações religiosas. A cultura barroca valorizava o enriquecimento dos colonizadores católicos. De um lado, continuava a existir a visão de mundo do Renascimento, otimista e de exaltação da vida; de outro, o extremo oposto desta visão também encontrava muitos adeptos, que preferiam abraçar uma vida de reclusão religiosa do mundo. Duas frases em latim, de sentidos opostos ilustram a ambigüidade do comportamento barroco: carpe diem, que significa aproveita o dia de hoje; a outra é memento mori, que significa lembre-te, homem, que morrerás um dia. Na verdade, para os colonos subalternos só era lícita a Segunda frase. A arte barroca contempla o luxo e a riqueza como forma de intimidação. A poesia e a prosa barrocas exaltavam as "virtudes" e feitos heróicos das figuras reais, dos reinóis colonizadores, das autoridades civis, militares e religiosas, a exemplo: 
"O Caramuru", de Frei José de Santa Rita Durão (1722/1784), exalta o colonizador português na figura de Diogo Alvares. "O Triunfo Eucarístico", de Simão Ferreira Machado (1733), exalta a nação portuguesa como privilegiada por Deus para dominar outros povos e as riquezas minerais como gratificação pelo "bem" que praticavam. "O Áureo Trono Episcopal, editado pelo padre Francisco Ribeiro da Silva, em 1749, coletânea de peças literárias narrando a recepção festiva ao primeiro bispo de Mariana, Dom Frei Manoel da Cruz, tratado com a dignidade de um papa ou de um rei. "O Uraguai", de José Basílio da Gama (1741/1795), apesar da dificuldade em narrar os acontecimentos da expulsão dos jesuítas da América e da beleza formal de seus poemas, teve que bajular o Marquês de Pombal e o general Gomes Freire de Andrade, na exaltação de suas figuras. Tomaz Antonio Gonzaga (1744/1810), embora tenha superado as questões estéticas do Barroco, continua engajado na política de colonização da terrível conservadora e déspota rainha Maria I. "O Tratado do Direito Natural apoia o iluminista despotista Hobbes e contrapõe-se ao iluminista liberal Locke. Diz Gonzaga: "A minha opinião é que o rei não pode ser de forma alguma subordinado ao povo; e por isso ainda que o rei governe e cometa algum delito, nem por isso o povo se pode armar de castigos contra ele. (CARDOSO, W. 1956) Para John Locke (1632/1704) o fim do estado é de proteger os direitos naturais de cada um. Quando o estado não reconhece ou nega aos cidadãos os seus direitos, desempenha mal a sua função. Nesse caso, os cidadãos têm o direito de oferecer-lhe resistência e inclusive de rebelar-se. (SCIACCA, M F, 1966) 
A história da ocupação e exploração do território mineiro após a oficialização da descoberta do ouro (1696) é muito semelhante à conquista do México por Hernán Cortés de 1519 a 1520. Interessava aos espanhóis o ouro e a obediência do Asteca. Segue depois a destruição das culturas Maia e Inca. Em Minas os indígenas foram afastados do processo civilizatório de forma violenta. A agricultura para abastecimento não contou com o trabalho indígena e a mineração, muito menos Segundo denúncia dos documentos denominados Cartas Chilenas, os indígenas eram abatidos como caça e oferecidos aos cães como alimento. Os negros eram tratados como animais de carga e como objeto do desejo sexual na sobra da máxima "carpe diem" que liberava o famoso Cavaleiro da Ordem de Cristo, João Fernandes de Oliveira, para viver na contramão da lei com sua amásia Chica da Silva. Os demais seguimentos da população da Capitania sofriam perseguições de toda ordem: confisco de bens, cobrança excessiva de tributos, derramas, pena de morte e degredo. 
As ideologias barrocas que alimentaram a exploração colonial inundaram a cultura da Nação brasileira em preconceitos e vícios de conduta, objeto de resistência e negação por seus sucessores do século XIX. A presença da Família Real no Rio de Janeiro e depois a Independência do Brasil abriram caminho de ida e de volta para a Europa o que oportunizou armazenar munição contra a mentalidade colonialista. 
Duas correntes formaram a mentalidade anticolonialista: O Romantismo como fonte de idéias estéticas e filosóficas e o Liberalismo, fonte de idéias políticas e econômicas. Mais tarde, a fusão das duas correntes forma o Ecletismo. 
O Liberalismo é filho do Iluminismo e como tal se opõe à cultura barroca. Preconiza a liberdade política ou de consciência, em oposição à autoridade do Estado e da Igreja. O meio de salvaguardar a liberdade e os direitos da iniciativa particular é restringir o mais possível as atribuições do Estado. No campo estético a tendência liberal é a de considerar as obras de arte como mercadora; valorizar os aspectos os aspectos decorativos e perpetuação das imagens dos figurões da sociedade burguesa. Nesse caso há uma tendência á padronização do gosto artístico como condição mercadológica. França e Inglaterra dominam a produção de materiais arquitetônicos que exportam aos países periféricos. Com base na arte clássica a indústria européia exporta pseudo obras de arte produzidas em série. 
O Romantismo surgiu por oposição ao racionalismo iluminista e se opõe ao Liberalismo em face de seu caráter destruidor do ponto de vista humano, social e cultural. Faz séria oposição ao Barroco por seu comprometimento com o colonialismo e imperialismo. Valorizou as culturas nacionais e regionais (nacionalismo e patriotismo). Ainda hoje vozes românticas levantam-se contra a ameaça que faz pesar sobre a própria sobrevivência da espécie, como perigo de catástrofes ecológicas. É neste aspecto que o Romantismo revelou toda a sua força crítica e sua lucidez diante da cegueira das ideologias do progresso. Os críticos românticos viram o que estava fora do campo da visão liberal individualista do mundo: quantificação, perda dos valores qualitativos, humanos e culturais; solidão dos indivíduos; desenraizamento, alienação pela mercadoria, dinâmica incontrolável do maquinismo e da tecnologia, degradação da natureza. Na estética, ao contrário da concepção liberal, o Romantismo valoriza a força criadora do indivíduo, como sua contribuição aos valores humanísticos, desvinculada da condição mercadológica. Artistas como Delacroix, Corot, Courbet e Daumier são os fundadores do Modernismo. Se no século XX, os movimentos artísticos deixam de ser designados pelo nome de Romantismo, não é menos verdade que correntes tão importantes como o expressionismo e o surrealismo, assim como grandes autores trazem muito profundamente a marca da visão romântica. Essa visão de mundo pode ter perdido o rótulo, mas não perdeu o sentido. (LÖWY, M, 1995) 
O Ecletismo reúne diversas teses opostas em uma só temática, prescindindo do que elas têm de incompatíveis. Cria-se a partir do Liberalismo e do Romantismo o hábito de escolher o que se julga melhor. Na estética o ecletismo serve tanto ao mercado quanto à criação artística incrementando o que modicamente se chamam de "art nouveau" e o próprio ecletismo. 
No Brasil, duas instituições se inscrevem como berço das idéias liberais e românticas. O Caraça e a Escola de Direito de São Paulo. O movimento liberal de 1842, teve em suas fileiras grande quantidade de ex-alunos do Caraça. A participação de professores do Caraça no referido episódio foi tão grande que o governo monárquico resolveu fechá-lo, transferindo as atividades escolares para Congonhas. No Caraça estudou o serrano João Antonio dos Santos, primeiro bispo de Diamantina, líder abolicionista e reformador da Igreja em Minas. Dom João é o filósofo responsável pela introdução e difusão das idéias ecléticas de Vitor Cousin em Minas. Na Faculdade de Direito de São Paulo estudaram escritores românticos como Joaquim Felício dos Santos (irmão do bispo), Bernardo Guimarães e Afonso Arinos. A escola ensinava que a arma do causídico é a contestação dos males da época acumulados desde a época colonial. Os escritores indianistas como Joaquim Felício dos Santos e Bernardo Guimarães são denunciadores do escárnio e expurgo dos indígenas da vida social na época colonial. A historiografia de Joaquim Felício dos Santos denuncia tortura aos negros e aos homens desvalidos da colônia; o despotismo e a corrupção dos contratadores de diamante. Afonso Arinos reclama a devastação da natureza e valoriza a vida do sertanejo, antecipando em cem anos a Guimarães Rosa. No juízo dos colonizadores do século XVIII esses escritores seriam considerados vagabundos, subversivos e possivelmente condenados à forca ou a degredo. Os românticos tiveram a coragem de desafiar seus contemporâneos conservadores. Tiveram coragem de desfrutar de tempo ocioso para viver, para escrever, pintar, cantar, viajar e conversar. O resultado desse tempo de ócio redunda em arte pela arte e não em objetos para o mercado. No campo da arquitetura é o Caraça a primeira fonte de resistência ao colonialismo barroco. A igreja N.S. Mãe dos Homens é em estilo neogótico, com torres elevadas, transeptos alongados, vergas ogivais e vitrais em substituição a forros pintados. Logo depois Dom João Antonio dos Santos, ex-caracense, leva para Diamantina o mesmos estilo na igreja do Sagrado Coração de Jesus, ligada ao Seminário. Na pintura, a vida dos santos católicos com paisagens européias cede lugar às margens plácidas dos riachos como fez Honório Esteves, além de pintar retratos de benfeitores como Marlière. 
O neoclassicismo vindo no bojo do Liberalismo tinha a nítida intenção de remover o passado colonial barroco. A estética vinha como signo de modernidade. O Grande líder liberal Teófilo Otoni, nascido na cidade do Serro não se conforma com o conservantismo reinante no Brasil. Suas idéias republicanas e iluministas muito contribuíram para atração do gosto neoclássico. Sedes de fazendas, casas urbanas e igrejas da segunda metade do século XIX trazem a marca do neoclassicismo, como a fazenda Boa Esperança em Belo Vale e a Igreja de São Sebastião em Juiz de Fora. 

 

Então...


Guido Marliére

Cataguases nasce sob o signo de uma nova época. Seu fundador Guido Tomaz Marlière encontrava-se no local denominado Porto dos Diamantes, em 1828, como inspetor dos serviços da Estrada de Minas (Presídio, hoje Rio Branco) aos Campos dos Goitacazes, na Província do Rio de Janeiro. A estrada atenderia a uma nova política de ocupação da Região da Zona da Mata. No Porto dos Diamantes recebeu em doação um terreno, planície sedimentar na margem esquerda do Rio Pomba, para ali erigir uma capela e fundar uma povoação, que toma no nome de Meia Pataca. Anteviu ali uma cidade traçada em xadrez, com amplas praças; confortável e saudável. 
O importante é a visão de mundo e o humanismo de Marlière, em choque com as ideologias residuais da época colonial. Muito perseguido pela desconfiança de traição aos portugueses e pela xenofobia ouro-pretana, Marlière foi preso e pouco depois posto em liberdade por ordem do príncipe regente. Enviou uma carta ao desembargador-ouvidor solicitando sua designação para um lugar afastado da civilização onde pudesse trabalhar entre os índios. O pedido de Marlière foi atendido e em 1813 chegou à região compreendida hoje pelo município de Rio Pomba. Ali deu início a um dos mais extraordinários trabalhos sobre índio no Brasil. Sua primeira missão foi a de fazer um levantamento sobre usurpação de terras, abusos correlatos e ao mesmo tempo promover a restituição das terras ocupadas pelos brancos. Pelo sucesso da missão Marlière obteve a nomeação para o cargo de Diretor Geral dos Índios daquela região. Propõe a substituição de administradores inadequados ao trato com o indígena; criação de escola primária; abrigo hospitalar, além de verificar além de verificar a possibilidade de ocorrência de ouro na região. A educação ligava-se ao princípio da aproximação do indígena com o branco. A defesa do indígena contra a ação deveria ser feita na medida em que o gentio estivesse ocupado em uma atividade qualquer. Lutou contra toda uma multidão de ambiciosos assaltantes de terras e culturas indígenas, contra roubo das mulheres e filhos dos mesmos; contra covardes assassinatos de silvícolas; muitos dos quais, quando bêbados e estirados no chão, eram destripados pelas patas dos cavalos dos viandantes. (MOURA, A P, 1983). Um ano depois de fundar Cataguases, Marlière foi reformado no posto de coronal, sentindo-se frustrado por não poder terminar a sua obra. Mas a memória, as utopias e o Humanismo dele não foram apagados. Sua modernidade residia na resistência ao imperialismo e ao velho colonialismo. (1) 
A criação do povoado já havia sido autorizada pelo governador da Capitania, Diogo Lopes da Silva, em 1767, que deveria ser ocupado por mineradores egressos da região do ouro. Um século depois a política de migrações para a região muda. Não mais a busca do ouro, mas a lavoura de cafeeira. Assim começam a chegar os novos migrantes: 

 


Major Joaquim Vieira da Silva Pinto

Fazenda da Glória

Fazenda da Glória

Fazenda da Glória


Major Joaquim Vieira da Silva Pinto, nascido em 1804, em Queluz (Conselheiro Lafaiete), Seu pai era de Pouso Alto e sua mãe de Queluz. Chegou em Cataguases, em 1842, possivelmente, querendo estar distante do Movimento Liberal do mesmo ano. (SILVA, A V R. 1934) O onde é hoje o distrito de Sereno, fundou a Fazenda da Glória. Tem este nome por causa de uma imagem de N. S. da Glória, em mármore policromado, possivelmente esculpida na Itália, de tendência rococó. A Fazenda da Glória significa uma ruptura com relação à fazenda colonial, em face de seu original partido, de caráter urbano. Fachada com janelas de bandeiras duplas. O emprego de platibanda e frontão triangular arrematado por uma rocalha. Os ornatos da fachada são em estuque. Escadaria e guarda-corpo da varanda em metal, estilo art mouveau. O andar térreo é destinado a escritórios e reuniões de negócios. No segundo pavimento, salas de estar e de banquetes, decoradas com pinturas nos rodapés e altos das paredes. De frente para a fazenda, uma usina de beneficiar café e os armazéns de estoques. 

 


Coronel José Vieira de Resende e Silva

Fazenda do Rochedo

Chácara Dona Catarina

Fazenda do Rochedo


Coronel José Vieira de Resende e Silva, (1829/1881) nascido em Lagoa Dourada, município de Queluz Filho do major Joaquim Vieira da Silva Pinto, com quem se transferiu para Cataguases, em 1842. Em 1856 estudou humanidades no colégio de Congonhas do Campo, pertencente ao Caraça na época. Casou-se com Feliciana, filha do coronel José Dutra Nicácio. Fundou e construiu a Fazenda do Rochedo. Nesta edificação o coronel Vieira revelou toda a sua cultura e todo o seu espírito de homem moderno. Tinha a convicção de que estava construindo um palácio não só para a residência da família, mas para receber e hospedar todo a elite política, empresarial e social. Compreende dois longos e amplos pavimentos. Somente o primeiro pavimento dá a idéia de uma fazenda ou de uma casa rural. Portada de pedra lavrada, com verga em curva. Pórtico lateral eclético, com pilares cúbicos, decorados com volutas barrocas, portão de ferro em art nouveau. No segundo pavimento, seis janelas de vergas retas, de duas bandeiras, com vidraças de guilhotina e com caixilhos de vidro importado. Beiral coberto com madeira pintada, no lugar dos encachorrados coloniais. A água da chuva é recolhida por calhas de folha de flandres importada. No interior, amplos salões de estar e de banquete decorado com motivos pictóricos e mobiliário art nouveau importados da Bélgica. É atribuída ao Coronel Vieira a iniciativa de elevação do Curato de Meia Pataca à condição de município. O romântico nome de Cataguases foi dado por ele, em homenagem a um riacho do mesmo nome, próximo da casa onde nascera em Lagoa Dourada.

 

Chácara Dona Catarina

Teatro Recreio

Hotel Villlas

Teatro Recreio

Teatro Recreio

Prefeitura Municipal de Cataguases


João Duarte Ferreira. (1850/1924). Nascido em Portugal. Transferiu-se para Cataguases em 1873, pouco antes de sua emancipação. Grande empresário de caráter mais liberal que romântico, ligado à exportação de café e ao comércio local. Com sua enorme fortuna tomou a iniciativa de diversas edificações neoclássicas na cidade. Em 1895 construiu o Teatro Recreio, de tendência maneirista italiana, demolido em 1947. De 1895 a 1900, construiu o prédio da Prefeitura Municipal, de caráter neoclássico. (MAGALHÃES, W, 1999) Talvez o exemplo mais expressivo do ecletismo arquitetônico de Cataguases esteja na Chácara Dona Catarina, antiga residência do empresário João Duarte Emprega os lambrequins de madeira nos beirais que circunda a edificação; janelas com vergas em arcos plenos e ogivais; planta baixa que lembra a movimentação maneirista.

 


Fazenda do Rochedo

Fazenda do Rochedo

Primeiro número da Revista Verde


Affonso Enrique Vieira de Resende (1863/1934), filho do coronel Vieira. Nasceu na fazenda da Glória. Fez curso de humanidades no colégio do Caraça e curso de Direito na Faculdade de São Paulo, em 1886. O pai havia deixado dívidas com a construção da Fazenda do Rochedo. Moveu demanda gigantesca para impedir que essa passasse para mão de pessoas estranhas à família. Tendo sido vencedor, demitiu do cargo de Juiz Municipal e dedicou-se à agricultura. No mesmo momento que em São Paulo, com a Semana de 1922; Belo Horizonte com "A Revista" (1925/1926); Cataguases com "O Verde" (1927/1928); intelectuais e artistas se manifestavam realçando os valores da cultura nacional; faziam tremular a bandeira do sentimento de uma Pátria livre das injunções neocoloniais, na Fazenda do Rochedo, Affonso Henrique pronunciava um memorável discurso, por ocasião da visita que lhe fez o Presidente do Estado, Antonio Carlos Ribeiro de Andrade, em 1928. Valoriza os feitos heróicos dos antepassados mas adverte que se no presente nada se fizer, o futuro será morto. (2) 

 


Matriz de Santa Rita (antiga)


Para mostrar a inquietação renovadora de Cataguases basta lembrar que a atual Matriz de Santa Rita é a terceira edificação no mesmo local. A antiga capela colonial foi substituída por outra de estilo Neogótico. Em 1894 nova reforma com projeto do arquiteto Augusto Rousseau. Partido em cruz grega, com enormes transeptos, abrindo no templo três fachadas verticais. Quatorze anos depois nova reforma, concluída em 1909. Três décadas decorridas da última reforma e a bela igreja estava sendo demolida para dar lugar a outra de caráter moderno. 
Concluindo, os movimentos históricos das primeiras décadas do século XX foram muito radicais e acumularam tensões do antes e do pós primeira guerra mundial. O Futurismo (1909), o Expressionismo (1914), O Dadaismo (1916) e o Surrealismo (1924) foram manifestações artísticas de contestação de um mundo em crise. Tiveram em comum o questionamento da herança cultural recebida. Todos estavam de acordo com o fato de que se revelavam falidos os moldes acadêmicos e conservadores de uma arte envelhecida. Então, todos esses movimentos do século XX intensificam um processo que já estava em curso desde o século XIX com o Romantismo e com o Simbolismo. Os sucessivos manifestos que ocorrem de Norte a Sul do País, de 1920 a 1930 são expressões de um nacionalismo sufocado pelo tempo. Faziam cem anos da Independência do Brasil. Mas que independência era aquela em que a Nação brasileira só valorizava os produtos culturais e tudo que fosse europeu ? 
O que era então a poesia pau-brasil senão a necessidade de exportar a produção literária brasileira e estabelecer uma conotação entre a poesia e a escola, na concepção de Oswald de Andrade. O movimento antropofágico (1928/1929), em linguagem simbólica e metafórica remonta ao hábito que certas tribos indígenas tinham de comer a carne dos inimigos mais fortes, para deles adquirir a força. Desta forma, desde os memoráveis tempos coloniais os brasileiros vinham devorando a cultura européia, comendo a carne de seus irmãos mais fortes do velho continente. O movimento é um convite a valorizar e consumir a cultura sedimentada no Brasil, de Norte a Sul, a busca da brasilidade perdida, da mesma forma que se deveria aproveitar algo de positivo da cultura estrangeira. 
É, portanto, nesse clima que se inscreve a tendência modernista de Cataguases, tão bem tratada por Selma Melo Miranda, Anaildo Bernardo Baraçal, Cristina Ávila, Patrícia Moran e Paulo Augusto Gomes. 
Antonio de Paiva Moura é professor de 
História da Arte na Escola Guignard - 
UEMG
e de História de Minas no UNI-BH.

BIBLIOGRAFIA

CARDOSO, Wilton. As letras mineiras no século XVIII. Primeiro Seminário de Estudos Mineiros. Belo Horizonte: UMG, 1956. 

JOSÉ, Oiliam. Marlière, o civilizador, Belo Horizonte: Itatiaia, 1958. 

LÖWY, Michel. Revolta e melancolia: o romantismo na contramão da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1995. 

MAGALHÃES, Washington. Um pouco da nossa história. In: Figurinhas de Cataguases. Cataguases: Aora, 1999. 

MOURA, Antonio de Paiva. História da Violência em Minas. Belo Horizonte, Autor, 1983. 

SCIACCA, Michele Federico. História da Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1966. 

SILVA, Arthur Vieira de Resende e. Genealogia dos fundadores de Cataguases. Rio de Janeiro: Coelho Branco, 1934. 

NOTAS

(1) - A um fazendeiros de Minas Novas que pediu alguns praças para combater indígenas, Marlière respondeu: "se fosse inimigo de Vmce., mandar-lhe-ia essas guardas aguerridas que pede para matar os índios: porque para cada um que morre, vem um século de vingança sobre sua casa. Os olhos que a providência deu, vêm as vessas dos de Vmce.; siga outro rumo com os índios dando-lhes pão, alguma instrução e um ósculo paternal: e com isto, sem merecimentos, vejo os meus trabalhos abençoados pelo Deus dos índios e seu. (...) faça-lhe bem, e mal algum e verá como eles se chegam (...)". (JOSÉ, O, 1958). 

(2) "Sua palavras e das pessoas que o acompanham, felicitavam-se pela oportunidade de render homenagem de respeito, admiração e saudade à memória de veneráveis mineiros que por ali passaram, educando gerações sucessivas, pelo exemplo da constância no amor à nossa terra e a nobres cometimentos propiciadores de sua grandeza crescente, através de grandes triunfos. Sem honrar o passado os que nele foram úteis à coletividade, ninguém aprenderá a bem servir a Pátria. Sem continuidade de esforços e de espírito entre o passado e o presente; incertos serão os dias do porvir e os próprios fundamentos da Pátria se enfraquecem pela falta de unidade cívica necessária à boa formação de espírito de nacionalidade" . (SILVA, A V R, 1934).