O Beco do Mota

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O Beco do Mota

A cultura, a tradição e a religiosidade diamantinenses tiveram de curvar-se por mais de dois séculos sob a sedução irresistível do mal afamado Beco do Mota, de saudosa, faceira e lendária história.

Não que ele fosse, em todos os tempos, refinada e glamourosa zona boêmia. E nem tão raras, belas e sensuais, as "damas da vida" que o povoavam. Mas aquele ambiente pobre, composto inteiramente de casas velhas e decadentes, exercia tal fascínio sobre os varões da cidade, que só a magia de um fatal encantamento para explicar.

Contemporâneo e vizinho da Velha Sé, testemunhou-lhe a demolição, tristemente, com remorsos, talvez, pelas ovelhas que arrebatava ao seu rebanho. Calçado em pé de moleque, formado na verdade de duas vielas entrecortadas, o Beco do Mota projetava no coração de Diamantina uma grande e mal traçada cruz, prostrada, em sua impureza, nas sombras grandiosas da nova Catedral, cujo repicar de sinos soava como dobrados de exorcismos nas consciências das mulheres decaídas que lhe davam vida - (ou a própria vida), - ali expiando suas culpas na degradante subsistência do pecado de cada dia. Muitas, expulsas de casa pelos pais ainda mocinhas, "pois que se tinham perdido," entregavam-se em suas alcovas a outros pais, de filhas tão outras quanto elas.

Curiosamente, só mesmo a rajada de ventos libertários dos costumes, inflada pelos truculentos "anos de chumbo" do final da década de sessenta, é que conseguiu varrer de vez a prostituição do Beco do Mota, numa limpeza moral que renitentes e aguerridas cruzadas do conservadorismo não lograram fazer através de séculos.

E, assim fechado, o Beco do Mota guardou longo tempo de purificação. Longe da coqueteria de outrora, do borboletear colorido de plumas e paetês das cortesãs, - gigolôs, amancebados, cafetinas, - toda a fogueira de proibidas paixões se apagou na palidez da história. Calaram-se bandolins e violões, em muda contrição, a redimir-se na meiga pudicícia dos cordões das serenatas. E "Cajubi", a bela índia com seu arco de guerra retesado, libertou-se do dancing a que emprestava o nome, e lá se foi, em graciosos passos do último e mais sensual dos tangos, reincorporar-se à lenda "puri da Acaiaca". 
Pouco a pouco, o Beco do Mota mudou a antiga face. Recebendo famílias, bares, restaurantes e outros serviços. Suas casas renovaram-se, a brancura das fachadas a cobrir-lhes os rubores do passado. Reabilitado pela sociedade, até as beatas, que antes desviavam os olhares de sua direção, já podem atravessá-lo, imaculadas, sem mesmo se persignarem. E as moçoilas de hoje, em ardências e inquietudes virginais, por lá se riem, divertidas, de ultrapassados pecados ancestrais.
Longe de querer diminuir a música com que Fernando Brant e Mílton Nascimento tão inspiradamente choraram o fim do mais famoso dos becos, poderá alguém inovar-lhe a letra, cantando: "Diamantina é o Beco do Mota, mas Minas não é mais o Beco, e o Brasil não é mais o Beco, pois, - simplesmente, - o Beco nem zona mais é."

"Quincas" Dez/99


Poemas

Descobrindo Diamantina
O Beco do Mota
O Comerciante
O Garimpeiro
Plenilúnio em Diamantina

Biografia


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