Descobrindo Diamantina

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DESCOBRINDO DIAMANTINA

Se acabas de chegar a Diamantina, 
Fatigado, quem sabe, da viagem,
Relaxa o corpo e afrouxa tua retina,
Que o tempo aqui parou, retendo a imagem
De como antigamente se fazia
Uma cidade envolta de magia...

Se acaso chegas preocupado e tenso,
Esquece tudo o que te vai pela alma,
Pois nosso clima, de pureza, intenso,
Mesclado ao povo, nesta sua calma, 
Vão devolver-te aos tempos de criança
Que o teu lembrar talvez nem mais alcança...

Ruas e becos acharás estreitos,
Sobrados, casarões, belas igrejas
(A seu estilo, de seu modo e jeito)
Irão mostrar-te, distraído estejas,
Como as ladeiras, tortuosidades
Nos aguçaram a criatividade...

Assim verás, boquiabertamente,
Janelas toscas com treliças velhas
Que indagações te lançarão na mente:
És tu (será?) que o seu rubor esguelhas,
Ou, por trás delas, quedas a mirar-te,
Doces pupilas tentam decifrar-te?

Assim é Diamantina, dama altiva...
A cada esquina traz, despetalados,
Amores de Platão, de corte esquiva, 
Na doce espera de olhos enlevados
Que a descortinem meiga, sensualmente,
Em desvirgínio pleno, eterno, ardente...

Um aviso em tempo, incauto visitante,
Aqui tens tudo que quiseres ter,
Desde a seresta, o papo aconchegante
Ao fino trato - e este vais logo ver
Que é de nascença, cresce com as pessoas,
- Mas é recíproco, se tal perdoas...

Se alegre fores e, da troça, amigo,
Roda animada cedo encontrarás, 
Pois nosso povo, na ironia, antigo, 
Faz boa flauta, é gozador mordaz:
Já houve até quem, são, aqui chegasse
E com a loucura, bem feliz voltasse.

Depois de acostumares os sentidos
E bem leve notares teu andar,
Sem de longe atentares no ocorrido
Que teu cenho haverá de demonstrar,
Do feitiço da terra és prisioneiro,
Em brando e voluntário cativeiro.

Daí em diante é pura interação:
Tornar-te-ás curioso de saber
Os porquês, os motivos, a razão
Desta comunidade conviver
Contemporaneamente com o passado,
Mas de pés no presente bem fincados.

Se pensares, no entanto, só um pouquinho,
Haverás de lembrar-te, sendo atento,
Que o diamante mais puro tem seu ninho
Na antiga aluvião, nesse elemento
Que Deus, criando o mundo, semeou
Em plagas onde o solo bom falhou.

Verás que desta sina minerária, 
Legado de uma gente calma e terna,
Resulta uma ambiência já lendária
Que bem revela a sapiência eterna:
Mesmo o ouro e o diamante, reluzentes,
Aqui se ofuscam ao pulsar das mentes.

E como é fácil tal constatação:
Conviverás com a alma aventureira
De muita gente cuja ocupação
Foi sempre a atividade garimpeira,
E nem por isso apega-se à riqueza
Que, farta, lhe provém da natureza.

Pelo contrário, são, na maioria,
Pessoas simples, de humildade rara,
Cujo prosar evoca a nostalgia
Daqueles tempos, quando a história narra
Que a cultura, a lhaneza, a tradição
Transmitiam-se a cada geração.

Não é que tenham grande erudição,
Talvez corretamente nem se expressem,
Mas é tão sóbria sua opinião
Sobre o que, se imagina, desconhecem, 
Atestando que a mão da experiência
Guiou-lhe os passos, deu-lhes consistência.

Depois de tanta louvação, dirás:
Não será esta a "Terra Prometida",
Éden cravado ao topo das Gerais,
Ou meu juízo, leve, já gravita,
Orbitalmente preso ao romantismo
De tão sutil e singular bairrismo?

Chegou o momento de parar, aos poucos,
Serenamente, em quieta digressão,
Olhar, sem ver, fazendo ouvidos moucos
E, sem qualquer distante apreensão, 
Trilhar, sem pressa, a serra colossal,
- Nossa moldura, a leste, original!

Que sensação terás dali, primeiro,
Daquela imensa e milenar muralha?
- O silente domínio do cruzeiro?
O cinzelar que a natureza entalha?
- Ou cuidarás que um povo, assim, cercado,
Viu-se só, livremente aprisionado?

Enquanto a absorção te põe ausente
Com esta indagação quase insoluta,
Repara a derredor - tua vista mente?
Ou flagras na paisagem absoluta
Uma cidade em descansada pose,
Tal qual miragem eternizada fosse?

Eis Diamantina em nua transparência,
Na intimidade, sem ostentação,
Mas vês aqui somente a sua essência,
Pois os recantos, pontos de atração,
Seus atavios, belos complementos,
São do bom Deus singelo acabamento.

Se já tens que ir, teu prazo aqui findou,
Quando estiveres a partir, lá do alto,
Põe derradeiro olhar no que ficou
E, sem tolo pesar ou sobressalto,
Promete-te a ti mesmo, complacente,
Que as despedidas tornarás freqüentes...


Joaquim Ribeiro Barbosa - "Quincas"


Poemas

Descobrindo Diamantina
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Plenilúnio em Diamantina

Biografia


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