UMA HISTÓRIA REGIONAL:

        A ZONA DA MATA MINEIRA (1870-1906)



        PETER BLASENHEIM

        O presente ensaio sumaria os capítulos da tese
        de doutoramento que o Autor preparou com o
        mesmo título, e a bibliografia está contida na
        referida tese. Este trabalho foi publicado pelo
        Centro de Estudos Mineiros quando da edição
        do V Seminário de Estudos Mineiros, UFMG/
        PROED, 1982, tendo como coordenadora a
        Professora Norma de Góes Monteiro.

    Numa conferência pronunciada no Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais em 1962, o Dr. Manoel Xavier de Vasconcellos Pedrosa descreveu a Zona da Mata Mineira como uma região "silenciosa" dentro da historiografia mineira. O Dr. Pedrosa atribuiu essa falta de literatura histórica ao desenvolvimento atrasado da região relativamente à Zona de Mineração. Também, como o Dr. Pedrosa notou, a economia cafeeira da Mata, no século XIX, colocou a região em contato mais próximo com a Cidade e Província do Rio do que com o resto de Minas. Embora muitos historiadores já tenham percebido a Mata como uma área marginal de Minas, o Dr. Pedrosa concluiu que a região é uma parte integral do Estado e deve ser considerada como tal. Neste sentido, a pesquisa do Dr. Pedrosa chamou a atenção dos historiadores para preencher essa lacuna evidente na história mineira.

    Um fator secundário que inspirou o meu estudo é o interesse que têm os historiadores norte-americanos que estudam o Brasil pelo tópico do regionalismo durante a República Velha. A interação entre a Mata e as outras regiões de Minas, que começou em meados do século XIX, oferece excelente exemplo de acomodação entre regiões de poder político e econômico desigual, o mesmo sistema institucionalizado no nível federal pela "política dos governadores", no princípio do século XX. Na última década do Império, por exemplo, enquanto as rendas geradas na zona cafeeira contribuíam com crescente porcentagem para o orçamento provincial, a Mata exigia prerrogativas políticas anteriormente exercidas pela Zona de Mineração. A investigação da dinâmica do regionalismo antes e depois de 15 de Novembro, e no nível estadual em vez do federal, poderá esclarecer as raízes do regionalismo no Brasil.

    Escolhi o período entre 1870 e 1906 por várias razões. A Mata foi uma zona fronteiriça antes da década de 70, mas naquela época a população atingiu um quarto de milhão de habitantes, tendo surgido uma identidade regional distinta, baseada na economia do café. O estudo engloba a evolução social, econômica e política da Mata durante os anos em que o café dominou a economia regional: o aparecimento da nobreza do café; a Abolição e as estradas de ferro, as questões que mais preocupavam os fazendeiros da Mata no fim do Império; o aumento fenomenal da produção na década de 90; a crise de superprodução; e os distúrbios políticos precipitados pela proclamação da República. O estudo termina com ratificação da Convenção de Taubaté pelo Congresso Estadual, em 1906. O ciclo do café ainda não tinha terminado na Mata àquela época; mas o estabelecimento da indústria pecuária no sul da Mata, onde a crise nacional de superprodução secundava a crise de terras esgotadas, sugeriu que o futuro da economia regional dependeria de outras atividades que não a produção de café. Para realizar o meu propósito original, considerei cada assunto do ponto de vista da história da Mata e da história do regionalismo em Minas.

    Para reconstruir a história da Mata, tomei como referência principalmente quatro municípios: Juiz de Fora, a capital regional; Leopoldina e Cataguases, definidos como os municípios cafeeiros "mais típicos" por vários historiadores, e Ubá, cena das confrontações políticas mais dramáticas durante a década de 90. Reconheço que as minhas generalizações são fundadas numa amostra limitada e talvez o estudo sofra da impossibilidade logística de examinar os arquivos locais de 17 municípios.

    Ao longo do estudo, refiro-me às várias regiões de Minas de acordo com designações usadas na Mata durante o período. Por costume, a Mata juntava a Zona de Mineração ao Oeste e ao Norte de Minas, definindo esta vasta área simplesmente como o Campo. Mesmo o Sul de Minas foi incluído como parte do Campo até o princípio da década de 90, quando um ciclo de expansão cafeeira começou nessa região; depois de 1890, a Mata sempre distinguiu entre o Sul e o resto de Minas.

    O principal ponto de vista sustentado no primeiro capitulo substantivo é o de que, entre 1870 e 1889, a Mata desenvolveu uma identidade regional baseada no conflito entre interesses econômicos e lealdades políticas. A economia do café atraiu a Mata para a zona cafeeira do Centro-Sul do Brasil, particularmente a Cidade e a Província do Rio. Mas a Mata era também atraída para Ouro Preto pelo acidente político que a colocou dentro de Minas no princípio do século XVIII e os laços emocionais dos fazendeiros cujo antepassados tinham para ali emigrado de outras regiões de Minas.

    Realizei a primeira parte desse propósito descrevendo a expansão da fronteira do café a partir de Matias Barbosa, onde o café "se despejou" na Mata vindo da Província do Rio, em 1809, para Manhuaçu, onde tal fronteira se fechou, no princípio do século XX. Em seguida, examinei a sociedade da Mata no começo da década de 80, quando a produção de café atingiu o apogeu nos municípios sulinos. Essa investigação incluiu uma revisão das questões principais apresentadas pela imprensa da Mata, descrições das fazendas mais conhecidas e, mais importantes, análise detalhada da sociedade da Mata: a nobreza do café, os escravos e grupos intermediários. Concluí que a economia cafeeira reproduziu na Mata padrões sociais e econômicos que se originaram na Província do Rio.

    Uma diferença significativa distinguiu a Mata do resto da zona do café. O comércio intraprovincial de escravos, que relocalizou os escravos da decadente Zona de Mineração na dinâmica Mata, manteve a viabilidade da escravidão na Mata - diferentemente das Províncias do Rio e de São Paulo - pelo menos até 1886, quando o regime escravista nacional começou a se desintegrar. Provas, embora insuficientes, sugerem que esse fator pode ter afetado a vida do escravo individual da Mata em comparação com os demais localizados no resto da zona cafeeira, assunto que merece maiores estudos. Para os meus propósitos, porém, a viabilidade relativa da escravidão reforçou o compromisso dos fazendeiros da região com o regime de trabalho escravo, justamente quando a diminuição do fornecimento de escravos obrigava fazendeiros fluminenses e paulistas a procurar outras alternativas.

    A estabilidade do regime de trabalho escravo ajuda a explicar a reação extremamente negativa dos fazendeiros da Mata à campanha abolicionista, a reação exagerada à Abolição sem indenização, depois de 13 de Maio, e a resposta ambígua à primeira legislação importante sobre a imigração, aprovada pela Assembléia Provincial em 1887. As transformações sociais e os deslocamentos econômicos prognosticados pela imprensa regional depois de 13 de Maio não aconteceram e a transição da mão-de-obra escrava para a livre ocorreu de maneira relativamente suave. Ainda assim, os fazendeiros da Mata aderiram ao movimento republicana como vingança contra o Imperador. Desse modo, a Abolição constituiu um golpe psicológico de conseqüência mais política que a econômica. As repercussões políticas da Abolição são discutidas em outro capítulo, dedicado exclusivamente à evolução política da Mata. Mais importante, o vigor do regime de trabalho escravo oferece argumento mais convincente do que a suposição convencional de que o mineiro é conservador "por natureza", apresentada para explicar a resposta dos fazendeiros à Abolição.

    As últimas páginas do capítulo tratam as relações entre a Mata e o resto de Minas, particularmente a Zona de Mineração, onde o poder político da Província estava fixado dentro e ao redor da velha cidade de Ouro Preto. Ao debater várias propostas de lei apresentadas para beneficiar a Mata, os legisladores desta região definiram-na como próspera e progressista, enquanto criticavam o resto de Minas como indolente e reacionários. Legisladores do Campo, entretanto, atribuíam a prosperidade da Mata estritamente a circunstâncias geográfica fortuita, que colocaram a região dentro da zona cafeeira.

    Já no meio da década de 80 tinham-se manifestado certos padrões definidos que determinavam o destino dos projetos de lei apresentados por porta-vozes da Mata. A Assembléia Provincial concordava com pedidos que beneficiavam diretamente a economia cafeeira, a saber: concessões para a construção de estradas de ferro com juros de sete por cento garantidos aos acionistas; tentativas para acabar com a especulação de guias referentes ao pagamento do imposto provincial de quatro por cento sobre o café exportado e a legislação proposta para encorajar a imigração. Mas, por outro lado, a Assembléia recusou conceder à Mata maior controle sobre os orçamentos municipais e ajustar os salários dos professores ao alto custo de vida da região, política que deixou vagas numerosas cadeiras nas escolas locais.

    A atitude da Assembléia Provincial não é difícil de explicar. O imposto de exportação de café trouxe somente 11 contos em 1840 e 1.200 em 1880. Neste último ano, o imposto chegou a compor cerca de 78 por cento do orçamento provincial. Assim, a Assembléia Provincial protegia a economia da Mata como forma de autodefesa. Legisladores do Campo recusaram-se a atender às exigências da Mata de descentralizar-se a administração e de prover-se consideração especial aos professores, por julgarem tais medidas regionalizas e, consequentemente uma afronta à integridade política de Minas. Na realidade, faltava à Mata força política suficiente para conseguir apoio a projetos que não tratassem da economia cafeeira.

    Mas, enquanto o governo da Província fortalecia a economia regional e o café prosperava, a Mata aceitou uma posição política subalterna. As estradas de ferro eram simplesmente mais importantes do que professores para os interesses fundamentais dos fazendeiros da Mata. É verdade que a região se queixava do pesado imposto que incidia sobre a exportação do café, um total de 11 por cento do valor do produto, pago às autoridades gerais e provinciais. Mas os representantes da Mata não tiveram iniciativa de legislação para reduzir este ônus até a crise de superprodução, em 1898. Igualmente, os representantes da região freqüentemente aludiam à possibilidade de secessão, pela união à Província do Rio, à qual a Mata estava ligada por fatores geográficos e econômicos. Mas a ameaça secessionista que nunca era séria, constituiu um modo de obter apoio para projetos legislativos patrocinados pela Mata. As referências a essa alternativa invariavelmente eram concluídas com a declaração de que a lealdade do povo pela Mata aos interesses da região somente era ultrapassada pela sua lealdade à Pátria mineira.

    A política do regionalismo nas décadas de 70 e 80 sugere que nenhuma região era forte bastante para dominar o sistema político a favor de seus interesses exclusivos. Embora os interesses de algumas regiões tivessem precedência sobre os demais em geral, as regiões demonstravam boa vontade em negociar e acomodar-se. Por exemplo, enquanto considerações econômicas práticas favoreciam a construção de estradas de ferro na Mata (em 1884, dois terços da rede mineira estavam localizados aí), a região recebera apenas 11 e 24 concessões outorgadas pela Assembléia Provincial. Igualmente, a mesma legislação que estabeleceu Juiz de Fora como o centro do serviço da imigração, também "olhava favoravelmente" a colonização no campo, idéia impraticável que, não obstante, ganhou o apoio dos legisladores do campo e resultou na lei de 1887. Esse padrão prevalecia na década de 90, alteraram o equilíbrio do poder político entre as regiões, favorecendo a Mata e o Sul.

    Dediquei um capítulo inteiro ao desenvolvimento do sistema de transportes na Mata, especialmente a construção da rede ferroviária, em meados da década de 80. Na década anterior, quando os fazendeiros fluminenses e paulistas estavam preocupados com a crise de mão-de-obra, os fazendeiros da Mata consideravam o transporte como o assunto mais importante. A perspectiva do tempo permite-nos verificar que este não era o único fator responsável pelo desenvolvimento da economia cafeeira da Mata. Mas os contemporâneos, que ora elogiavam, ou criticavam as estradas de ferro como elemento dinamizador da economia, pensavam que assim era. Desse modo, a história dos transportes, como a da Abolição, revela muito sobre a mentalidade dos fazendeiros.

    Os nomes dos fundadores dos principais municípios cafeeiros da região estão todos ligados a projetos de construção de estradas de terra: Halfeld e Silva Pinto, em Juiz de Fora; Leite Ferreira, em Mar de Espanha; Monteiro de Castro, em Leopoldina. De fato, podemos fixar a data das origens da explosão da economia cafeeira em 1869, quando Mariano Procópio Ferreira Lage inaugurou a Estrada União e Indústria, que ligou Juiz de Fora ao mercado no Rio e assegurou para aquela cidade o papel da capital regional. As estradas de rodagem, como as estradas de ferro que se seguiram, eram capitalizadas pelos próprios fazendeiros e construídas por engenheiros ligados às grandes famílias proprietárias. Tal fato explica tanto os trajetos planejados quanto a íntima ligação entre o transporte e a história sócio-econômica - e até política - da Mata.

    Depois da inauguração da estação de Porto Novo, da Estrada de Ferro Dom Pedro II, em 1871, as estradas de ferro tornaram-se um obsessão na Mata e em todo o Estado. Todos os mineiros compartilhavam a noção, tão comum no século XIX, de que a locomotiva prometia ser um agente da civilização e do progresso. Mas, pelos meados da década de 80, somente a Mata podia orgulhar-se de ter uma rede bem desenvolvida, já que era a única região em que as realidades econômicas permitiam a execução das concessões outorgadas pela Assembléia Legislativa.

    A discussão sobre concessões provocou alguma hostilidade entre as regiões. A Mata considerava as concessões garantidas ao Campo, que tinha pouco para vender, como um desperdício de dinheiro, e argumentava com o crescimento da exportação do café e da renda pública conseqüentes à extensão das linhas ferroviárias, em várias partes da zona cafeeira brasileira. A este argumento o Campo respondia que o número desproporcional de concessões destinadas aos municípios do sudeste da Província iria perpetuar a penúria da maior parte de Minas. Já em 1890 a Mata podia apontar o crescimento quadruplicado da exportação de café como justificativa da continuação do apoio público à expansão da rede regional. Ao mesmo tempo, o Campo argumentava que a rede da Mata era mal projetada, ineficiente, e não merecia mais ajuda. Essa acusação, baseada na completa desorganização da Estrada de Ferro Leopoldina, a principal companhia ferroviária da Mata, foi repetida pelos legisladores do Sul de Minas. Nesta região, a economia cafeeira estava na infância, mas precisava de estradas de ferro para crescer. A decadência da Leopoldina e uma série de acontecimentos políticos que fortaleceram a posição do Sul no novo Congresso Estadual assinalaram o fim da expansão ferroviária na Mata, em favor daquela região.

    O exame da história econômica e política das diversas linhas explica tanto o crescimento rápido como declínio da Leopoldina. Fora a Dom Pedro II, que gozava de apoio nacional, a viabilidade das companhias individuais que conseguiram inaugurar ramais nas décadas de 70 e 80 dependia diretamente da quantidade de café disponível para exportar ao longo dessas linhas. A Leopoldina, que já se estendia de Porto Novo a Cataguases em 1877, atravessava os mais prósperos municípios cafeeiros da região. Assim, esta estrada de ferro incorporou, em rápida sucessão, as insolventes Estradas de Ferro Pirapetinga, Alto Muriaé, União Mineira e Juiz de Fora-a-Piau, e uma série de linhas falidas na Província do Rio. Mas a extensão da Leopoldina esgotou os recursos da companhia. Além do custo de sustentar tantos quilômetros adicionais de linhas com trilhos de bitola diferentes, as novas linhas freqüentemente corriam paralelas uma às outras, competindo, assim, com o tronco principal da Leopoldina. Mais grave ainda, a rede fluminense atravessava fazendas de café improdutivas. Como conseqüência destes problemas financeiros, a qualidade do serviço na Leopoldina declinou constantemente durante a década de 90. A companhia declarou falência em 1897 e foi reorganizada no ano seguinte, como empresa inglesa.

    A dimensão política da história da Leopoldina, mais do que o aspecto econômico, realça as lutas intra-regionais na Mata. A mais amarga disputa ocorreu em 1878, entre os diretores da Leopoldina e o da União Mineira, estrada de ferro que percorria a região entre Serraria e Guarani, ao norte. A controvérsia envolvia uma concessão que nunca foi executada, a Estrada de Ferro Vale do Rio Doce, originalmente projetada para ligar Juiz de Fora a Ponte Nova, via Pomba. Quando a Leopoldina comprou a concessão e modificou a ponta de origem para Cataguases, assim evitando os municípios servidos pela União Mineira, os diretores desta estrada de ferro protestaram. A influência de Francisco Bernardino Rodrigues da Silva, chefe do Partido Conservador em Juiz de Fora e o maior acionista da União Mineira, persuadiu a Assembléia Provincial de que Juiz de Fora devia ser o ponto de origem do Ramal do Vale do Rio Doce, da Leopoldina. Mas os diretores da Leopoldina, no Rio, convenceram o ministério liberal de Sinimbú a mudar a decisão a favor da Leopoldina em vista do apoio financeiro de que a companhia gozava na Corte, insistindo em que a União Mineira não devia sofrer porque tinha sido capitalizada exclusivamente por fazendeiros de Juiz de Fora e municípios vizinhos. A Leopoldina nunca revelou as ocupações nem as residências dos seus maiores acionistas, provavelmente porque a acusação de Francisco Bernardino era verdadeira. De fato, numa lista de 92 acionistas da Leopoldina, publicada em 1878, encontram-se nomes de apenas 19 fazendeiros importantes da Mata.

    Dois anos depois da decisão de 1878, Francisco Bernardino e seu genro, Manuel Vidal Barbosa Lage, esforçavam-se por ligar Juiz de Fora com a União Mineira, em Rio Novo. Mais um exemplo de mau planejamento das estradas de ferro da região, o ramal de Piau foi filho da decisão contra a União Mineira, que recusou a Juiz de Fora acesso à parte leste da Zona da Mata. Quando se procurou estender o ramal de Piau, de Rio Nova para Pomba, a fim de se tornar mais rentável, a tentativa foi impedida pela União Mineira, que já usava essa concessão; Francisco Bernardino propôs, em 1882, uma fusão que conciliasse os interesses incompatíveis das duas estradas de ferro, mas a Toda-Poderoso Leopoldina já estava considerando a absorção da União Mineira e o plano fracassou. Mais tarde tentou-se levar o ramal de Piau na direção de Ponte Nova, mas era um plano sem esperança porque o trajeto interferiria diretamente com uma concessão da Leopoldina. Esta companhia finalmente absorveu o falecido Piau, em 1890.

    A primeira vista, a história do sistema de transporte na Mata revela certas ironias. Embora fazendeiros locais inspirassem a campanha para melhorar as comunicações, a Leopoldina dominava este esforço porque gozava de apoio externo. Também, o estabelecimento de uma rede ferroviária na Mata evidenciou fraquezas fundamentais da economia cafeeira regional, fraquezas que eram mais profundas do que a falta de transporte adequado e que, por sua vez, destruíram a Leopoldina. Vista da perspectiva dos fazendeiros, porém, a ênfase exagerada nas estradas de ferro, excluindo outras preocupações legítimas, é compreensível. Interessados em, obter lucros em curto prazo, indiferentes ao problema da mão-de-obra até a véspera da Abolição, e inconscientes das conseqüências ecológicas das suas atividades, os fazendeiros lutavam pela infra-estrutura de transportes, que prometia rápida recompensa econômica sem nenhum custo social.

    A seção seguinte considera a evolução econômica da Mata entre 1890 e 1906. A crise nacional de superprodução de café, notada pela primeira vez na imprensa da Mata em março de 1897, divide a história econômica da região, durante esse período, em duas fases distintas, que examinei em capítulos separados.

    O primeiro trata dos anos próspero, de 1890 e 1897. A exportação do café da Mata quase dobrou durante esse período; o preço do café continuava alto no mercado mundial; um sentimento de otimismo difundia-se pela região. Mesmo assim, certos sinistros, indicando a fragilidade básica da economia cafeeira da Mata, apareceram pela primeira vez no começo da década de 90. Os fazendeiros dos municípios sulinos da Mata começaram a queixar-se das colheitas reduzidas, conseqüência de terras esgotadas e de enchentes, enquanto o centro de máxima produção se deslocou para os municípios centrais, na vizinhança de Muriaé. Também durante esses anos a Mata perdeu sua qualidade de única região produtora de café realmente importante em Minas; já em 1893 o Sul de Minas contribuía com um oitavo da exportação de café no Estado.

    Os fazendeiros da Mata demonstraram mais preocupação com a estabilização do sistema de mão-de-obra do que com as grandes transformações ecológicas ou com o nascimento do ciclo de café no Sul. Queixando-se de que o trabalho dos jornaleiros era muito caro e incerto, pediram ao governo estadual uma lei de locação de serviços e um compromisso mais sério com a política de imigração. A primeira questão nunca foi discutida seriamente pelo Congresso Estadual, porque a locação de serviços se parecia demais com o extinto sistema de escravidão. Mas a primeira sessão do Congresso Estadual prometeu 2.000 contos ao esforço imigrante e o governo promoveu nova lei, em 1893, que dividiu o Estado em cinco distritos de imigração para facilitar a introdução e colocação de estrangeiros. O Governo Bias Fortes trouxe mais de 30.000 estrangeiros para o Estado, em 1896 e 1897, mas o serviço de imigração foi sacrificado em 1898, vítima da crise orçamentária, que, por sua vez, era conseqüência da crise de superprodução. Já nesse tempo, porém, a campanha tinha perdido o ímpeto na Mata, visto que um sistema de meação e empreitaria, que empregava nacionais, havia lançado raízes.

    Como a campanha abolicionista, a história da imigração conta-nos muito sobre as atitudes dos fazendeiros. A classe agrícola mostrava-se ambígua acerca da colocação dos estrangeiros, até mesmo quando a propaganda atingiu o auge nos meados da década de 90. Os delegados dos dois distritos de imigração da Mata irritavam-se com os fazendeiros, que freqüentemente retiravam seus requerimentos de colonos no último momento. Os delegados atribuíam tal comportamento ao medo, ao conservadorismo e até ao nativismo do fazendeiro mineiro. Certamente, a vigorosa propaganda em favor dos imigrantes chineses, que se concentrava em Além Paraíba e Juiz de Fora, refletia a atitude equívoca de uma classe conservadora, que temia que os europeus ambiciosos viessem ameaçar a estrutura social da Mata. O chinês, caracterizado como dócil pelos propagandistas, representava a continuidade de um sistema social baseado na escravidão. No fim das contas, porém, não foi o fato de os fazendeiros rejeitarem os imigrantes, mas sim o fato de que realmente não necessitavam deles, que acabou com a campanha imigracionista. Uma vez que os fazendeiros se livraram da noção errônea de que os nacionais eram trabalhadores ineficientes e caprichosos, idéia que era também uma herança da escravidão, resolveu-se a crise de mão-de-obra, mais aparente do que real.

    A Assembléia Provincial tinha sempre satisfeito aos pedidos da Mata para fortalecer e proteger a economia regional, e essa política foi continuada pelo Congresso Estadual. No começo da década de 90, os legisladores da Mata solicitaram medidas mais eficientes para terminar a especulação de guias, prática renovada por comissários e exportadores pouco escrupulosos no princípio da República. O problema foi resolvido em 1896, quando o governo mineiro, em conjunto com autoridades fluminenses e federais, estabeleceu uma comissão no Porto do Rio para fiscalizar a exportação de café. Por toda a década de 90 os fazendeiros de café também pleiteavam a expansão do crédito agrícola, insistindo em obter recursos mais amplos do que os oferecidos pelo Banco do Brasil e pelo Banco de Crédito Real, em Juiz de Fora. Em 1897 e 1898, o Congresso Estadual aprovou leis que permitiram que o Crédito Real vendesse títulos garantidos para esse fim.

    Graças à expansão da produção e ao sistema federal, que distribuía ao Estado o imposto total de 11 por cento sobre a exportação de café, os rendimentos estaduais triplicaram entre 1888 e 1897. O aumento fenomenal de renda criou um sentimento de otimismo nos círculos governamentais, semelhante aso sentimento positivo que prevalecia na Mata. Tal ambiente inspirou dois projetos ambiciosos: a construção de Belo Horizonte e o desenvolvimento de uma rede ferroviária no Sul. Entretanto, havia aqui, também, um aspecto negativo. A nova riqueza do governo foi ganha à custa de crescente dependência por parte da zona cafeeira de Minas. As bases precárias da nova prosperidade foram analisadas em 1893 por Otávio Otoni, chefe da Comissão Orçamentária, que prognosticou um desastre para a Mata e para o Estado, caso a produção brasileira de café excedesse a demanda mundial.

    A predição de Otoni realizou-se em 1897, quando o preço do café caiu rapidamente. Nos primeiros meses da crise de superprodução, os fazendeiros reclamavam uma revisão imediata da estrutura de impostos no Estado. Mencionando a incapacidade das duas regiões cafeeiras de suportar, nas circunstâncias, o ônus pesado de 11 por cento, em 1898. Camilo Soares Filho, de Ponte Nova, apresentou projeto de lei estabelecendo o imposto territorial e baixando o imposto sobre exportação de café para cinco por cento. Embora concordassem com a diminuição do imposto de exportação, os legisladores da Mata e do Sul consideravam o imposto territorial medida "socialista e revolucionária". O projeto não contou com o apoio de nenhuma região e foi rejeitado na primeira discussão. A continuação da crise, porém, levou à introdução de nova versão do imposto territorial no ano seguinte. Esse plano propunha uma avaliação mais condescendente das terras do que a proposta pelo projeto de 1898 e baixava o imposto de exportação para nove por cento. O apoio dado ao novo projeto pelo Presidente Silviano Brandão garantiu sua aprovação. Mas a lei levou a uma confrontação entre o governo e os fazendeiros de café, que protestavam contra a inclusão de uma cláusula que incorporava o valor das benfeitorias à avaliação da propriedade. Tal provisão era "regional e iníqua", sustentavam os legisladores da Mata e do Sul, porque a zona cafeeira era a única região bem desenvolvida de Minas.

    Um Congresso Agrícola foi convocado para Juiz de Fora em outubro de 1899, a fim de discutir as medidas que deviam ser consideradas para se derrotar a lei. O Congresso exigiu a eliminação da disposição que tratava das benfeitorias e a suspensão da cobrança do imposto territorial no ano de 1900, como meio de aliviar a crise imediata dos fazendeiros. Segundo o Presidente Silviano Brandão, a petição apresentada pelo Congresso Agrícola oferecia duas opções, ambas desagradáveis. De um lado, enfraquecendo e suspendendo o imposto territorial, prejudicaria a sua política de austeridade fiscal, exigida pela crise de superprodução. Por outro lado, caso ignorasse a petição, o presidente se arriscaria a enfrentar uma revolta nas regiões cafeeiras do Estado, possibilidade insinuada pela fraseologia do documento. Silviano escolheu a primeira opção.

    A controvérsia sobre o imposto territorial foi, assim, resolvida com satisfação completa da Mata e do Sul. A nova lei, sancionada em 1900, estabeleceu o "princípio" de que todas as regiões deviam contribuir para o Tesouro estadual. Ao mesmo tempo, sub-avaliou as propriedades nas regiões cafeeiras, ganhando os fazendeiros a redução de dois por cento no imposto de exportação, o que queriam desesperadamente. Numa completa quebra de tradição, a Mata e o Sul nada concederam ao Campo em troca das revisões. O equilíbrio do poder político entre as regiões cafeeiras e a Zona de Mineração mudara definitivamente, em benefício daquelas.

    As recomendações do Congresso Agrícola de Juiz de Fora não se limitaram ao imposto territorial. Insistia a petição em que o governo também devia reduzir as taxas de transporte para estimular a economia estadual, estabelecer fontes de crédito além das instituídas pela lei de 1897, e adotar medidas para "defender" o preço do café mineiro no mercado mundial. Entre 1899 e 1905, as taxas de frete foram reduzidas entre 2 e 25 por cento. A duração da crise orçamentária impediu a apresentação de projetos que instituíssem novas fontes de crédito até 1905; porém, as idéias e propostas sugeridas para a solução desse problema, que a crise de superprodução tinha agravado, levaram diretamente ao movimento cooperativo em Minas, depois de 1908.

    A defesa do preço de café era mais complexa e os esforços para conseguí-la provocaram controvérsia. Um plano do industrial juiz-forano Bernardo Mascarenhas, que favorecia a compra, pelo Governo Federal, do estoque em excesso, recebeu grande apoio da imprensa daquela cidade, mais foi rejeitado como radial demais. Em 1901, os legisladores da Mata e do Sul rejeitaram projetos de lei que taxariam novas plantações e qualidades inferiores de café como meio de se elevar o preço. Os projetos foram condenados como noções socialistas que, a longo prazo, prejudicariam a economia cafeeira. Dois anos depois, porém, o prolongamento da crise convenceu o Congresso Estadual a aceitar o imposto sobre as qualidades inferiores de café. A continuação dos preços baixos, em 1904 e 1905, também encorajou a retificação rápida da Convenção de Taubaté, projeto de valorização bem mais ambicioso do que o Plano Mascarenhas.

    A iniciativa do movimento para levantar o preço do café originou-se em São Paulo, em vez de Minas ou do Rio. Claramente, aquele Estado, que produziu quase 80 por cento da colheita total do Brasil em 1906, tinha interesse maior na valorização do que os outros dois. Mas a resposta negativa ao Plano Mascarenhas sugere que o conservadorismo dos fazendeiros mineiros também se referia à noção inovadora da valorização. Tanto a proibição de novas plantações como a Convenção de Taubaté eram idéias paulistas, que Minas aceitou em desespero.

    O desenvolvimento duma indústria pecuária e a diversificação da agricultura foram as conseqüências mais importantes da crise de superprodução da Mata. Já no fim da década de 80 a imprensa regional tinha apontado a vulnerabilidade da economia monocultora. Os fazendeiros deviam diversificar a agricultura, aconselhava a imprensa, tanto para evitar um desastre se o preço de café caísse, como para baixar os preços dos comestíveis que a região importava. Mas, antes da crise de 1897, somente a possibilidade de uma indústria pecuária despertava algum entusiasmo nos municípios sulinos, onde o crescimento do capim nas terras esgotadas pelo café e a proximidade do mercado carioca oferecia condições positivas para semelhante atividade.

    Os fazendeiros da Mata iniciaram a transformação da economia regional por sua própria contas. O crescimento dos rebanhos, o nascimento da indústria leiteira e a implantação de colheitas diversas foram notados em relatórios governamentais e na imprensa regional, em 1900. O Congresso Industrial realizado em Belo Horizonte, em 1903, apresentou várias recomendações destinadas a acelerar a tendência a economias alternativas, as quais foram aprovadas pelo Congresso Estadual no ano seguinte. Ao voltar duma excursão através da Mata em 1904, o Presidente Francisco Sales concluiu que a diversificação econômica da Mata já fazia Minas menos dependente do café.

    Para avaliar com mais precisão as condições prevalecentes na economia regional, o Presidente enviou à Mata Carlos Prates, Inspetor Estadual de Indústria, Minas e Colonização. Prates reconfirmou a observação do Presidente: embora o café ainda predominasse na economia regional, a indústria pecuária aparecia como a alternativa mais promissora para acabar com um sistema de monocultura que tinha sido desastroso. Não era coincidência, como Prates notou, que Leopoldina e Cataguases liderassem a região na exportação dos produtos de leite, já que os dois municípios tinham sofrido mais com a baixa produção do que com preços baixos. Prates também relatou a auto-suficiência da Mata em açúcar, fumo e arroz, com excedentes disponíveis para exportação. Já em 1908, dois anos depois da publicação do relatório de Prates, o café constituía somente 38 por cento do valor total das exportações mineiras, em contraste com 68 por cento em 1898.

    Ao criar e cultivar produtos agropecuários tradicionalmente encontrados mo Campo e no Sul, a Mata, em sentido econômico estava "voltando" para Minas. As mudanças econômicas na região estavam liquidando com os interesses incompatíveis que tinham dividido as lealdades da Mata entre a zona cafeeira do Centro-Sul do Brasil e Minas Gerais. Este processo, em última análise, reforçou o compromisso da Mata com o resto de Minas.

    Subjacente à integração da Mata com o resto do Estado, houve transferência de poder político da Zona de Mineração para as duas regiões cafeeiras de Minas. Os acontecimentos principais que indicam tal mudança, porém, eram menos as disputas políticas caprichosas da década de 90 do que o compromisso do governo estadual de amparar a economia ameaçada da Mata e do Sul, depois de 1897. Notavelmente, a retórica regionalista inspirada pela crise econômica não chegou ao mesmo grau de intensidade que a gerada pelas crises políticas da década de 90, embora as lutas políticas fossem ameaças menos sérias aos interesses das regiões cafeeiras do que a possibilidade de completa ruína econômica. Se a retórica do regionalismo foi inversamente proporcional à gravidade das várias disputas, a importância extraordinária do café para a saúde econômica do Estado, mesmo na pior fase da crise de superprodução, sugere que, nos assuntos econômicos, a Mata e o Sul sempre negociavam em posição de equilíbrio.

    Finalmente, os mineiros do Campo ajudaram as regiões cafeeiras do Estado a agüentar a crise por outros motivos, difíceis de documentar mas implícitos nas discussões sobre imposto territorial, valorização e economias alternativas: a obrigação devida às regiões cafeeiras, particularmente à Mata, por contribuições prévias ao Tesouro mineiro; o reconhecimento de que a proximidade do Rio e São Paulo transformou as duas regiões no centro econômico de Minas, apesar do preço do café e da decisão de colocar a nova capital mais próxima do centro geográfico do Estado; e, finalmente, aquele sentimento curioso de interesses locais de lado para manter a integridade do seu Estado, em épocas de crises graves.

    O último capítulo considera a política da Mata numa perspectiva regional e inter-regional. Aqui, também começo com uma hipótese que me ajudou a clarificar os acontecimentos confusos precipitados em Minas pela proclamação da República. Depois do 13 de Maio o núcleo histórico de republicanos em Juiz de Fora atraiu os fazendeiros cuja lealdade à monarquia foi comprometida pela Abolição sem indenização; consequentemente, o movimento republicano na Província, que fora fundado com base nas idéias expressas no Manifesto de 1870, tornou-se um movimento regional que reunia as duas regiões cafeeiras. Ao formular esta hipótese, confesso-me em débito com o Dr. Oíliam José, que interpreta a republicanização da Mata depois do 13 de Maio como resultado direto da Abolição sem indenização.

    Como de resto de Minas, na Mata ambos os partidos monárquicos tinham perdido, pelo fim do Império, o seu conteúdo ideológico. Na véspera da República, O Pharol, o principal jornal de Juiz de Fora, descreveu os Liberais e os Conservadores do município como facções de fazendeiros, indiferentemente organizados. Os fazendeiros da Mata, por costume, filiavam-se ao partido político dos seus antepassados, antes do povoamento da região.

    Já em 1885, o núcleo republicano de Juiz de Fora incluía somente 22 republicanos declarados, principalmente advogados e médicos. Nos três anos seguintes, o núcleo cresceu tanto que era grande para os padrões mineiros, mas ainda permaneceu isolado e insignificante. Um ano após o 13 de Maio, porém, o movimento republicano passou a gozar do apoio de entre um terço e metade dos eleitores da região. Minhas informações sobre o Sul de Minas são menos completas e a questão da indenização era, ali, de menor importância; mas a atração do republicanismo cresceu significativamente na região, nos meses que se seguiram à Abolição.

    O núcleo republicano de Juiz de Fora aceitou fazendeiros conservadores nas suas fileiras, correndo o risco de comprometer a sua ideologia. Claramente, o endosso dado pelos históricos à autonomia municipal agradou aos convertidos do 13 de Maio, os chamados republicanos despeitados. Mas os motivos das duas facções, como os seus motivos para derrubar o Imperador, eram completamente diferentes: os históricos consideravam a autonomia municipal essencial para conseguir a democratização política; os republicanos despeitados favoreciam essa política para manter a máxima renda gerada pelo café dentro das próprias regiões cafeeiras. Na verdade, os históricos nunca se sentiram à vontade com a aliança com os fazendeiros. A decisão do Diretório Republicano de Juiz de Fora de aceitar os despeitados provocou muita hostilidade entre históricos pragmáticos e históricos idealistas, porque estes consideravam a indenização como a Abolição parte da "carnificina" do Império.

    Os pragmáticos ganharam a disputa. Assim, quando do 15 de Novembro o Partido Republicano de Minas, liderado por um núcleo histórico que representava Minas inteira tinha base em Juiz de Fora, gozava de apoio significativo apenas nas duas regiões cafeeiras. Como o Dr. Oíliam José nos informa, esse apoio foi ganho à custa de obscurecimento do ideal republicano de 1870. De fato, somente interesses regionais ligavam a liderança republicana às fileiras, ou seja, os históricos aos despeitados.

    A partir daí, os republicanos de Juiz de Fora aproveitaram-se de uma situação política favorável nos meses que se seguiram à proclamação da República para quebrar o poder político da Zona de Mineração. A famosa confrontação entre Cesário Alvim e o Município de Juiz de Fora baseou-se fundamentalmente em conflitos regionais. Aparentemente, a reunião de agosto de 1890 foi convocada para Juiz de Fora pela liderança histórica a fim de protestar contra o método antidemocrático pelo qual Alvim tinha escolhido os candidatos. "Num espírito de conciliação" diante da chapa oficial, João Pinheiro deixou de lado a questão dos métodos democráticos quando votou a aceitação da chapa alvinista. A objeção verdadeira dos republicanos juiz-foranos começou a dar ênfase à questão de uma nova capital para Minas e da autonomia municipal, de modo a justificar a disputa com o Presidente.

    Habituado à política de acomodação, típica do Império, Alvim interpretou a oposição prolongada do grupo juiz-forano como ataque pessoal. Assim, decidiu eliminar completamente os nomes históricos da chapa oficial par a Constituinte Estadual. Significativamente, essa chapa também sub-representou a Mata. A confrontação, de fato, transformou-se em um ataque pessoal, na segunda reunião convocada pelos dissidentes e realizada em Juiz de Fora, no dia do Natal. No ano seguinte, o Presidente tentou enfraquecer as bases eleitorais da dissidência desmembrando o Município de Juiz de Fora. por isso, o grupo juiz-forano não cessou a oposição ao governo mineiro até a renúncia de Alvim, como conseqüência da revolta de Campanha, em 1892.

    Minhas pesquisas sobre a campanha mudancista e a construção de Belo Horizonte acrescentaram pouco à literatura pertinente. Acentuaria porém, que a polêmica de 1890 entre a imprensa juiz-forana e a ouro-pretana sobre a significação da mudança da capital era a indicação mais clara da modificação no equilíbrio do poder entre as regiões. Implícito no projeto de uma nova capital estava o intento de limitar a influência dos políticos da Zona de Mineração, centralizados em Ouro Preto. Inevitavelmente, a campanha mudancista tornou-se parte da luta política maior. Concluí também que os historiadores dão ênfase demasiada ao papel da cidade de Juiz de Fora na campanha. O movimento alastrou-se tão rapidamente não pelos esforços de Juiz de Fora, mas porque uma nova capital era inovação necessária. Enquanto juiz-foranos e ouro-pretanos, respectivamente, elogiavam e condenavam a cidade de Juiz de Fora por ter instigado a campanha, Juiz de Fora era o símbolo e não a causa do movimento.

    Legisladores da Zona da Mineração, aproveitando suas relações pessoais com certos políticos da Mata e do Sul, alteraram a decisão de se construir a nova capital em Belo Horizonte em vez de na Várzea do Marçal, embora este sítio fosse preferido pelas regiões cafeeiras. Em sentido mais amplo, a escolha de Belo Horizonte significou a volta ao sistema de acomodação entre as regiões. A Mata e o Sul ganharam a sua capital moderna, quebrando assim, física e psicologicamente, o monopólio de poder político de Ouro Preto. Os ouro-pretanos, porém, defenderam os seus próprios interesses ao localizarem a capital no lugar considerado o menos desagradável, quando a vitória da campanha mudancista tornou inevitável a substituição de Ouro Preto.


    Do ponto de vista da Mata, os debates na Constituinte sobre a autonomia municipal eram mais importantes do que a discussão em torno da mudança da capital. A imprensa juiz-forana tinha defendido o mudancismo com o apoio de Minas inteira, salvo a Zona da Mineração; quanto à questão da autonomia municipal, a Mata defrontava-se com todas as outras regiões. Afonso Pena, por exemplo, apoiou o mudancismo, mas confessou-se em dúvida quanto à autonomia municipal: sustentou que esta idéia era impraticável e antipatriótica", se se levassem em conta as condições econômicas prevalecentes na maioria dos municípios mineiros.

    A Constituinte aceitou o "princípio" da autonomia municipal como essencial ao regime republicano. Mas a tentativa da Mata de introduzir artigos destinados a fazer da autonomia municipal uma realidade, como, por exemplo, a discriminação de renda, provocou reação hostil do Campo. Um delegado do Norte de Minas insistiu em que a interpretação tão radical sacrificaria as esperanças de Minas para beneficiar "os interesses egoístas" de alguns 14 municípios da Mata. Gama Cerqueira, de Cataguases, respondeu que um compromisso que não levasse em conta a autonomia municipal desencadearia na região a terrível política de secessão. A Mata perdeu o primeiro debate, quando a Constituinte aceitou a emenda, proposta por Silviano Brandão, que adiava a discussão no assunto para a primeira sessão regular do Congresso Estadual. Nessa altura, a discriminação de renda foi aceita pela legislatura, embora na forma de lei ordinária, e não de lei constitucional, como a Mata propugnava.

    Desse modo, as regiões acomodaram-se relativamente à questão da autonomia municipal. Enquanto a Constituição definia os municípios como autônomos, a autoridade exclusiva do governo estadual de fixar impostos deixava os municípios com poucas fontes de renda. A epidemia de cólera que grassou na Mata, em 1895, tornou a região tão dependente dos recursos do governo estadual quanto os municípios indigentes do Campo tinham sido do governo provincial durante o Império.

    A controvérsia a respeito da autonomia municipal ilustrava mais nitidamente do que a do mudancismo certos aspectos gerais do regionalismo em Minas, bem como certas tendências características da década de 90. A lealdade regional exerceu papel maior nas atitudes dos legisladores para com a autonomia municipal porque era uma questão regional de mais importância. Foi o voto do Sul que decidiu a questão contra a Mata, na Constituinte, e a seu favor, na primeira sessão regular. A política do Sul diante da autonomia municipal estabeleceu uma precedência que deu àquela região a última palavra em todas as questões regionalistas através da década. A expansão cafeeira no Sul era menos avançada do que na Mata e muitos municípios daquela região sofriam da mesma penúria que a maioria dos municípios do Campo. Portanto, o Sul apoiava a Mata na questão do mudancismo, mas hesitava quando se tratava da autonomia municipal. O modo dentro delas abriu-lhe caminho para o ofício de Presidente e assegurou ao Sul os privilégios políticos previamente gozados pela zona de Mineração.

    Além de mudar a atitude da Mata para com a autonomia municipal, a epidemia de cólera desencadeou uma propaganda secessionista, que foi breve, porém ruidosa. Aparentemente, o motivo da propaganda de 1895 e 1896 foi a resposta inadequada do governo à epidemia. De fato, as autoridades estaduais tomaram providências imediatas para ajudar a Mata, fornecendo empréstimos aos municípios da região para saneamento e estabelecendo uma comissão médica para prevenir surtos futuros. O motivo verdadeiro da propaganda, porém, era o medo dos políticos da Mata de que seu velho inimigo, Cesário Alvim, estivesse aproveitando-se do ambiente incerto criado pela epidemia para voltar ao palco da política mineira. A assinatura de Alvim nas petições das leis de saneamento de 1895 e 1896 confirmou essas desconfianças. Quando a epidemia de cólera e a ameaça alvinista retrocederam, em 1896, a campanha secessionista terminou abruptamente. O incidente confirma um padrão que encontrei no exame da crise de superprodução: as ameaças secessionistas da década de 90 originaram-se mais na politicagem do que no comportamento do governo estadual para com a Mata.

    O estilo e o conteúdo da política municipal nos anos do Partido Republicano Constitucional (PRC) lembram o Império. As mesmas famílias que dominavam os municípios antes de 1889, reapareceram com Alvim. A renúncia do Presidente, entretanto, assegurou as suas posições de poder. Houve duas exceções importantes a essa regra. Em Juiz de Fora, as ligações de Francisco Bernardino com Alvim, depois de 1892, fizeram do político juiz-forano um foco de oposição aos candidatos endossados pelo PRC. Francisco Bernardino foi cooptado pelo PRC depois de sua derrota na eleição para o governo do Estado, em 1894. EM Ubá, o poder político era disputado entre uma facção adesista, liderada por Carlos Peixoto, o poderoso chefe ex-conservador, e uma facção histórica, chefiada pelo cunhado de Peixoto. A rivalidade levou à violência, em fevereiro de 1893, quando o líder da facção histórica foi morto a tiro na Praça São Januário, no centro da cidade. Como resultado dessa confrontação, Peixoto e o seu sobrinho, Camilo Soares de Moura, ganharam o controle do Município. Embora Peixoto Filho, que dominou o diretório local do PRC depois de 1896, possuísse credenciais republicanas, os acontecimentos de fevereiro tinham devolvido o Município de Ubá aos adesistas do extinto Partido Conservador.

    Rivalidades pessoais e disputas entre facções, semelhantes às ocorridas em Juiz de Fora e Ubá, determinaram o papel dos políticos da Mata na formação do Partido Republicano Mineiro, em 1897 e 1898. O antagonismo para com Silviano, e não questões regionais, menos ainda ideológicas, motivou os dissidentes de 1897, que em sua maioria foram facilmente cooptados quando o PRC adotou o estatuto e o nome do Partido Republicano Mineiro (PRM) no ano seguinte. Mais uma vez tentei comprovar essa hipótese com dois exemplos, a eleição de Henrique César de Souza Vaz, de Juiz de Fora, para a Câmara Federal, em 1894, e a confrontação prolongada entre Silviano Brandão e Joaquim Ribeiro Junqueira, chefe político de Leopoldina. Silviano opôs-se à eleição de Vaz, baseado nas ligações do candidato com o velho grupo histórico de Juiz de Fora e os dissidentes de 1897. Mas, quando Vaz ganhou o apoio dos próprios salvacionistas em Juiz de Fora e derrotou o candidato "oficial" na eleição, Silviano recebeu-o no PRM.

    A hostilidade entre Silviano e Ribeiro Junqueira em bem mais profunda. A disputa entre os dois chefes políticos surgiu do compromisso de Silviano com o Senador Joaquim Dutra, que era político poderoso em Leopoldina desde a década de 80. Dutra, silvianista devotado, lutava com o jovem Ribeiro Junqueira pelo controle do Município. Quando os junqueiristas venceram os dutristas numa eleição local, em 1897, Ribeiro Junqueira esperava que o endosso de Silviano o tornasse porta-voz de Leopoldina. Mas o chefe do Sul continuou a prestar apoio a Dutra, o que levou Ribeiro Junqueira a aderir ao Partido da Lavoura, fundado dez dias depois do Congresso Agrícola de Juiz de Fora, em 1899. Embora os lavouristas buscassem no regionalismo a justificativa do novo partido, insistindo em que nem o Congresso Agrícola nem o governo estadual tinham tomado suficientes providências para defender a economia regional, estavam realmente demonstrando a sua oposição política a Silviano. Ribeiro Junqueira, entretanto, não foi integrado no PRM até 1902, quando a morte de Silviano e o governo de Francisco Sales, parente da esposa de Ribeiro Junqueira, puseram fim aos seus motivos para opor-se à situação política.

    As conclusões deste capítulo ligam o estudo inteiro. A história da Mata entre 1870 e 1906, sugere que as lealdades regionais tinham papel maior nos assuntos econômicos do que nos políticos. Na verdade, a identidade regional da Mata era sempre baseada no café, e as exigências legítimas da região normalmente tratavam da economia, exceto no breve período entre 1889 e 1892. As lealdades inter-regionais de fato enfraqueceram os interesses políticos da Mata. Para citar apenas dois exemplos, o ubaense Cesário Alvim foi o porta-voz da Zona de Mineração durante a primeira década da República e a politicagem inter-regional alterou o voto que escolheu o local para a nova capital. As filiações inter-regionais também explicam por que a Mata não reclamou o papel da liderança, exercida pelos homens do Sul, no PRM. Ao contrário, os políticos da Mata negociaram com os Presidentes Silviano Brandão e Francisco Sales para influir na política estadual e manter o controle da política regional.

    Enquanto os fatores econômicos ilustra m as origens, o impacto e o resultado do regionalismo, a política demonstra os limites de regionalismo. O personalismo extremo da cultura política mineira, fortalecido por um patriotismo estadual fundado nas tradições comuns, vendeu o regionalismo, produzindo uma elite política tão unida que Minas ganhou mais influência nos conselhos da Velha República do que merecia, segundo as suas contribuições ao Tesouro federal. Quando os porta-vozes da Mata insistiam em que a lealdade à região era ultrapassada somente pela lealdade a Minas, diziam a verdade.

    Seria presunçoso chegar a conclusões mais amplas sobre a natureza do regionalismo brasileiro com base neste estudo. Os historiadores, entretanto, têm sempre sido atraídos pelo enigma de um Brasil que é, ao mesmo tempo, extremamente unido e extremamente regionalizado. Estudando este fenômeno no Estado que é, indubitavelmente, o mais unido e o mais regionalizado da União, espero ter começado a explicar o enigma.