Biblioteca Interativa As Minas Gerais


Maurício Trindade

 


Carolina Araújo

 

EDIÇÃO RIO DOCE

FICHA TÉCNICA:

Maurício Trindade: composição,violão, voz e contrabaixo
Carolina Araújo: Voz
Gravação: Estúdio Genesis - Belo Horizonte 

Era... Era...
Era uma verdadeira estória...

Os cantadores na obra de Luís da Câmara Cascudo: 

Cantam soltamente, quase gritando, as veias entumecidas pelo esforço, a face congesta para não perder o compasso, não o compasso musical, que para eles é quase sem valor, mas a cadência do verso, o rimo que é tudo...

Nenhuma preocupação de desenho melódico, de música bonita. Monotonia. Pobreza. Ingenuidade. Primitivismo. Uniformidade.

Não há melhor título nem mais alta indicação que citar a profissão maravilhosa. Curiosamente, é raro o cantador que tem boa voz.

Paupérrimo, andrajoso, semifaminto, errante... São cavaleiros andantes que nenhum Cervantes desmoralizou. 


CANTORIA IMAGINÁRIA MARLIÉRE 

Guido Tomas Marliére, foi oficial das tropas de Napoleão Bonaparte e se tornou o civilizador moderado da região do Rio Doce. Interessado em trabalhar com os povos indígenas, foi ao Reino de Portugal e pediu a D. João licença para vir ao Brasil. D. João, que tinha interesse em civilizar os povos indígenas, a fim de torná-los súditos, e consequentemente mão de obra no desenvolvimento econômico da colônia, consentiu. Ao chegar em Ouro Preto, Marliére foi tomado como espião francês e jogado na cadeia, até que verificassem suas intenções.
Somente com a chegada de D. João VI ao Brasil e seu interesse pelo francês é que se desfez o engano. Marliére foi posto em liberdade e seguiu sua aventura. 

Colonizar o Rio Doce foi tarefa difícil, os obstáculos eram enormes: índios botocudos, as cachoeiras do rio, febre, grandes enchentes, onças e onçeiros. O ururau, jacaré de papo amarelo, encarnava a valentia e a audácia do orogó contra o perigo eminente, o assalto, a tocaia. Mas o povo foi se metendo nas matas e no rio, crescendo os paraísos que podiam. E agora, quando voltam de algum lugar, é para lá, a terra da qual diziam:
O sertão é bravo, desbravá.


CADÊNCIA DO URURAU

Cadência de pau
Barca de pau
Remo de pau
No papo amarelo do ururau

Terra de febre
Terra de tocaia
Terra de onça
E do orogó

O rio passou por aqui
E minha terra enxuta
O rio levou
Terra rapada pelas águas
Durezas encharcadas
Durezas sendo desmanchadas
Barro que é terra
Terra que é minha
Barro que sou.


CARRANCA

No sol morrente, água corrente
Desce a barcaça, toda graça
E a desgraça ficou rio acima
Na boca do ururau

Arfando pra frente,
Nas margens ficam gentes
E a barca num crescente
Com uma carranca descrente


BRAVO DESBRAVÁ

Lá na mata o sol se esconde
E o pio da coruja responde
Tem perigo companheiro
O sertão é bravo desbravá

Vem um índio, voa um morcego
Vem pra janta vem levá

Lá na trilha dos errantes
Nada há de ser como antes
Viemo e vencemo a lutcha
Viemo e queremo ficá


BAECUABA - DELONGA

A terra o rio pega, leva. E o rio corre água por água e alguma água no trajeto do rio evapora, vira nada com a terra que agora nada, nada...

Baecuaba baeetê
Baecuaba baeetê

Tem o mambu, pia o Jaó, tem o faro do onceiro, a manha do quati e o giro do gavião.

Óia que é rastro na pedra
Correndo cê besta a fera
Óia que veneno é seta
Do seu raí

Óia que corre da pedra
As água do céu na terra
Óia que enchente num espera
Enxurrái

Baecuaba baeetê, 
Baecuaba baeetê

Adão e Eva querem volta
Adão no meio dessa gente, Eva na mula sem cansa
Adão e Eva querem volta
Minha senhora hoje é terra, tanta terra pra lavra
Adão e Eva querem volta
Uma casa depois duas, com mais uma um arraiá

Afasta serena a canoa
Rumo ao largo desprendida
Nas águas corredeiras da sorte
Óia o pulso, o braço forte

A lua quando surgiu,
Surgiu linda grande e amarela
Surgiu com o urro do Guariba
Que atrás da mata chamou ela

Despertavam também os homens
Que se lembravam das donzelas
Despertavam os corações
E o nome de todas elas

Vem Donana, lembra da margem
Mesma bêra, fim de viagem
Vem pros nosso abraço
Nossos trem, nossos traço.

Água que é água, alma que me demora, água que me devora e quando retorna rervora a água, a terra numa enchente de água que banha minha terra, minha terra
Minha água doce, do gosto que esse rio tem. 


PROCISSÃO DE BARCAS

A VISÃO


E como encontraram
Tal qual encontrei
Assim me contaram
Assim vos contei.

II Nananá (à marujada mineira)

Cantiga dos marujos do alto das serras onde não há mar

E quando canta a sereia
Vagueia sem parar
E quando vagueia a cigana
Cirandeia pra rodar
Na areia do mar

E quando a febre vremêa
Ardeia sem parar
E quando a febre premêa
Cendeia pra queimar
Na areia do mar

E quando a bruxa de lua é meia
Pragueja a percurá
E quando a cura é certa entremeia
Os de bem com os de má
Na areia do mar

III Serra do Rola Moça

"A serra do Rola Moça não tinha esse nome não" 
Esta é a estória de um moço e uma moça que atravessaram a serra para casar no arraial do outro lado. A serra é cheia de caminhos tortos, atalhos perigosos, passagens estreitas e faz do viajorno um ir e vir cheio de vigilância. Lá embaixo, os socavões.
Antes que a noite chegasse resolveram voltar. Tomaram rumo de casa, agora casados e cheios de alegria. Durou pouco. Sucedeu, enquanto encantados e rindo à toa, o descuido da moça. O casco do cavalo pisou em falso e foram moça e cavalo serra abaixo. Sem acreditar no que acontecia, o moço desesperado tocou seu cavalo à galope no meio do nada. Saltou o abismo atrás da noiva e a serra do Rola Moça assim chamou. A moça morreu de acidente, o moço de amor.

Deixa rolá o teu corpo morena
Roliça serra, geografia sensuá
Moça morena do brumado
Senhora duma serra ao meu lado
Judiação

Essa é a estória de uma amor rolado
Rola na serra no capim melado
A dor de dois nubentes
Recém casados e displicentes
Jurando amor


FIM

E como encontraram
Tal qual encontrei
Assim me contaram
Assim vos contei.