O Surgimento de Vila Rica


Foi povoada em fins do século XVII por paulistas, nordestinos e portugueses (lavradores, artífices, mineradores, pequenos negociantes etc.) que formaram inicialmente os arraiais do Morro de São Sebastião, do Ouro Podre, do Padre Faria, do Antônio Dias,  do Passa Dez, do Caquende e do Ouro Preto. Devido à expansão demográfica e  desenvolvimento urbano, foi elevada a vila como “Vila Rica de Albuquerque” em 1711. Já no primeiro quartel do setecentos   dividia-se em duas relevantes freguesias: a do Pilar e a do Antônio Dias.

Conforme  descrição oficial de 1780, o sítio era montanhoso; as terras de todo o termo (município)  da Vila não eram aptas ao plantio em grande escala mas  à extração do ouro; as ruas irregulares; as edificações  não tinham nobreza, com exceção das duas matrizes e as duas Capelas das Ordens Terceiras de São Francisco e do Carmo.

Desenvolveu-se originalmente ao longo do Ribeirão do Tripuí, configurando-se como  núcleo urbano longilíneo de origem colonial.

Em 1825  recebeu o título de Imperial Cidade de Ouro Preto, conservado até 1897, ocasião da transferência da Capital para Belo Horizonte. Foi transformada em “monumento nacional” em 1933, sob atuação destacada dos modernistas que buscaram o  momento cultural de aclimatação dos modelos europeus e de recriações regionais,  considerado na época  imprescindível  `a construção da  brasilidade.  Em 1937 houve a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), que se empenhou na inventariação, pesquisa arquivística, proteção e  conservação de acervos significativos do ponto de vista histórico e estético. Tornou-se  “cidade patrimônio da humanidade” em 1980.

Para o  arquiteto Sylvio de Vasconcelos,  em Ouro Preto  praticamente não ocorreu  o século XIX na arquitetura, devido a persistência da forma de construir herdada do período colonial. Nas primeiras décadas do século  XX,  ocorreram as ligeiras adaptações como grades de ferro, pilastras estriadas,  guilhotinas de vidro, calhas externas e cimalhas de massa, jardins laterais com canteiros geometricamente ordenados, grutas, repuxos, quiosques, escadarias curvas, divisão nítida entre parte íntima (quartos e cozinhas) e social (sala de visitas). As  fachadas tiveram destaque em detrimento do interior, pois eram  novas enquanto as plantas conservavam-se tradicionais, em lotes exíguos. Como novidades apareceram as  peças sanitárias, os azulejos, pisos em  ladrilho hidráulico ou cerâmico, o papel de parede,  os fogões de ferro e o porão ventilado. Foi uma houve de  atuação  dos artesãos “ fachadistas italianos e portugueses”.

Estudos  recentes como o de Heliana Angotti Salgueiro vem destacando a diversidade arquitetônica do  casario ouropretano, a saber, o neocolonial, a    eclética ortodoxa, a eclética vernacular, a  francamente moderna (casario da Saramenha) e  aquela feita à moda antiga, os  auspícios da política de preservação (estilo patrimônio) que veio se transformando em  hábito, embora com o sistema construtivo, os materiais e a racionalidade próprios de  nossa época.

Muitas obras são fruídas pelo leitor despreparado como um autêntico colonial, mas na verdade  são frutos de  intervenções que vêm sendo feitas pelo ou sob orientação do patrimônio, desde 1937 até os dias atuais, no sentido de se  evitar disparates e preservar a paisagem  urbana. Surpreendentemente, tais imitações  não se encontram apenas no centro histórico mas em bairros recentes como o da Vila Aparecida, Vila São José e o Jardim Alvorada (Buraco Quente).  O modo de parcelar e ocupar o terreno modificaram-se. Não há mais o  lote profundo  e arborizado com pomares, como no passado setecentista e oitocentista. O formato é quadrado, mas a casa rotineiramente alinha-se com a calçada, carente de recuo,  de jardins e de quintais. É uma arquitetura  híbrida, com grande taxa de ocupação, agravada, segundo a arquiteta Lia Motta, pela expansão demográfica,  crescimento acelerado e desordenado verificado após 1950, como conseqüência do “ciclo do alumínio”.

A política do SPHAN defende  os seguintes critérios: volumes e proporções tradicionais (máximo de dois pavimentos), telhas de barro tipo canal, beirais encachorrados,  enquadramento das aberturas em madeira,  janelas em  guilhotina com caixilhos, cores claras nas alvenarias   e escuras no óleo das madeiras. Décadas e décadas construindo consoante este modelo acabou por gerar   vernáculos.

Há uma corrente contrária  ao “estilo patrimônio” por considerá-lo  artificial,   enganador em relação ao leitor comum, verdadeiro  impedimento para o direito a  uma arquitetura  mais  sincronizada com  as necessidades atuais e cotidianas da população.  Segundo esta visão, justamente por não se encarar de forma positiva e criativa  os conflitos, Ouro Preto estaria se transformando mais em  cenário do que em realidade pulsante. A idéia de conservação e sua particularização histórica não são tranqüilas, pois faltam as condições materiais e simbólicas para que as elites políticas e intelectuais - e sobretudo  o povo-  possam encontrar nela um significado partilhável.