Paulo Augusto - Poemas

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A alma e o sonho

Vamos passar o dois mil entre a lua e as estrelas
Pensarei nos meus amigos
Pensarei no mundo inteiro
Pensarei meu pai e minha mãe
E também em Manoel Bandeira
Pensarei nos mulçulmanos
nos judeus
nos cristãos
nos espíritas e budistas
e também nos que não crêem.

No céu estrelado cantaremos juntos
Novamente e infinitamente procuraremos entender a natureza de Deus
E até o champagne róseo da manhã

Faremos votos de felicidade para mil anos

Entre as últimas estrelinhas.

 

Aracnídea Vulva

Aracnídea vulva
que atrais, seduz e prendes
com teus pêlos delirantes e lascivos,
ralos ao início do púbis,
selva profunda mais abaixo,
púberes aos treze
e em qualquer idade com seus mistérios.
 

Venerada e vulnerável vulva,
              
     de pêlos,
no Brasil na sua maioria morenos,
mas há os louros mais escuros que os cabelos
e ruivos surpreendentes
e castanhos freqüentes
e a palha de aço tezante
das creoulas fabulosas, indecorosas.
Aracnídea vulva,
teces tua teia
e corpos fremem por ti.

 

Branca

Branca...de repente te vi
Com tua pele branca
Branca
Como és branca
Com tua brancura fascinante
Com tua brancura aterradora
Vestida de negro estavas mais linda que a morte.

 

Existir 

Existir,continuar existindo,
convivendo com a dor do mundo
e a nossa própria dor.E não há outra solução:continuar, existir,
sentir no peito a emoção de estar vivo,caminhando no frio do poente,
olhando as crianças que brincame sorriem inocentes.
O homem também é figura amorosa,capaz de ternura,
de grandes gestos,
apesar de fazer a guerra 
e deixar que a fome cresça.Cria, faz arte, se emociona,
o que o coloca além da mera estupideze da ignorância pretenciosa.Faz versos, pinta, compõe e toca,faz filmes, inventa, planta.
Das cavernas avança tecnológica e cientificamentee não só destroe mas ama a natureza. 
Continuar existindo,no poente, em outros poentes,
o céu vermelho e a escuridão que vem,avançando sobre o mistério do mundo,enquanto passo por senhoras
que vendem doces caseiros e canjica
por entre bandeirinhas nas barraquinhas juninas,
em benefício das obras sociais do bairro.

 

O Artista

Não sou um burocrata,
sou um artista,
não um profissional liberal.

Sou "antena da raça",
romper obstáculos,
saltar fronteiras,
é o meu destino absoluto.

Em meio ao horror da humana condição,
o fogo
queima teias
desnudando a verdade,
beleza estonteante,
em mármore esculpida.

Sou dessa gente que às vezes traz desordem
porque necessária à esperança.

No cotidiano de castelos de areia, 
vejo o vento que venta,
que venta de séculos.

Limpo pincéis,
entro em cena 
com a vida em jogo,
aceito o desafio da folha em branco,
brinco, 
pela orelha que traduz ondas sonoras,
entra a música
para possuir o corpo, sapatear
e soltar pássaros da garganta.
Ao movimento de "câmera": 
Ação.
Do sonho tenho a chave 
e ao louco torno são.

Risco uma estrela no céu 
atento a Deus
pelo pão dos homens.


Passagem

A casa,
o campo,
a água,
telas, tintas,
lápis, papel, cachaça, fumo do bão,
gengibre pra se mascar,
arroz integral com curry no fogão,
uma vela ritualisticamente acesa
e a noite densa de Minas avança
povoada de fantasmas.
Repica o sino da igrejinha de Passagem de Mariana
e os fantasmas da noite de Minas
gelam-me o sangue, arrepiam-me a pele.
Velhos fantasmas, conheço-os desde o berço,
fantasmas de barbicha ou cavanhaque,
engraçados fantasmas,
fantasmas com os ventos que enfunaram caravelas portuguesas,
fantasmas que chibatearam pretos
que batearam ouro à sombra do Itacolomi
e enriqueceram rapidamente
na vertigem do ouro
em que fostes nascida,
Minas Gerais.

Na noite, ao longe
apita o trem de Minas -
vem carregado de nostalgias,
carregado de paixão,
puxado por velha locomotiva diesel
dos tempos ditos modernos
e faz nos entrar pelas narinas
o cheiro das antigas estações
de óleo, de ferro, carvão,
cheiro antigo de passado,
RFFSA, Leopoldina, Rede Mineira, Central do Brasil,
apita ao longe, levando minério.

Seja às margens do São Francisco
ou do Rio das Velhas
ou nas cabeceiras da Mantiqueira,
tu és Minas Gerais
uma velha e decadente puta
com teu nariz de bruxa assustando o Brasil.
Hora te apresentas de moralista hipócrita,
esquecendo-se da liberdade,
hora de tradicionalista conservadora.

Poderá o mar do Espírito Santo te salvar?
Ou são em vão os uffanismos dos teus bacharéis de Direito?
Ó puta velha!
Já fostes inocente,
antes que abrisses tuas entranhas
para os primeiros homens que aqui chegaram
e o teu ouro os corrompeu -
Apelarás para a ativez do Itacolomi
enquanto Ouro Preto cai aos pedaços?
Ainda crês em teus políticos
com seus ternos cotidianos de suvaqueira fedorenta?

Ó camofa das tradições,
é hora de enfrentar o mundo -
Mas há a beleza de tuas montanhas:
Quando como disse Alphonsus
renascerás dos sonhos do passado
mais bela do que antes
para que teus espíritos fiquem em paz?
Ó Minas libertária!

E o trem de Minas apita na noite.
Noite, Noite,
Grande Noite 


Porteiras se Abrem


Curral de estrelas 
se abrindo para o infinito.
Uma nova região me penetra
simbolizada em caminhos etéreos.

Porteiras de Minas
com cheiro de esterco
e grandeza do universo
se misturam 

Através do movimento dos astros
( as revoluções ),
Os corpos se atraem
( é da física ),
Avanço no cosmos.
Ah vontade de irmos juntos,
sem peso,
Vagando - brilhando, orgasticamente
no espaço,

Presente o cheiro de esterco
das porteiras de Minas,
mas sem preocupação de qualquer escândalo.

Do alto te vejo, ó Luminárias do Sul de Minas
cujo nome deves à misteriosas luzes,
só que agora as pastagens são um campo de estrelas
e bebo-lhes o néctar.

Vem amor,
Façamos a Via Láctea
Do jeito que a gente gosta.


Praça da Liberdade

Meio dia,
nos jardins poesia
da Praça da Liberdade,
nos prédios burocracia.
Todo dia é de nomeações
e muitas promessas 
na Praça da Liberdade.
Despachos, cafezinho,
papel pra lá, cafezinho,
papel pra cá, cafezinho,
na Praça da Liberdade.
Telefone do gabinete tal,
chegou o parente de fulano,
reclama da demora beltrano.
Confusão oficial 
na Praça da Liberdade.
O senador telefonou raivoso 
dizendo que ele é senador 
e o deputado, deputado.
Cortaram a verba em Brasília,
o processo sumiu,
na Praça da Liberdade.

Minas está onde sempre esteve,
isto é:
Muito antes pelo contrário.

O governador não está sabendo,
mas o secretário...
Conversas ao pé do ouvido 
na Praça da Liberdade.
Falou mais foi demitido.
E o aumento do funcionalismo?



Ano de eleição é outra coisa 
na Praça da Liberdade.
O contínuo vai fazer setenta anos,
não se aposenta para não perder uns proventos.
A secretária passou baton
e muita sinecura
na Praça da Liberdade.
Enquanto isso, morria de nostalgia
com saudades da época do footing,
o coreto da Praça da Liberdade.


Quero

Quero os pássaros que voam das cavernas de Drumond
A alta serenidade poética de Manoel Bandeira
O boca do inferno 
As antenas de Ezra Pound
A coragem de Alain Guinsberg
A ousadia de Julien Beck
A sabedoria de Mário de Andrade
O gênio absoluto de Shakespere
A criatividade anárquica de Oswald
O lirismo pastoril de Gonzaga
A mineiridade universal de Milton Nascimento
A dignidade de meu avô
A ironia, a força de Maiakovsky
A metafísica de Fernando Pessoa
A solidariedade de Castro Alves
O heroísmo de Walt Whitman
O humor de Moliére
A musicalidade de Verlaine
As flores do mal de Baudelaire
As vogais de Rembauld
A vagina de Ana Cristina
E o medo dos novos poetas.


Romanceiro da Inconfidência
Da bandeira de Minas

Através de grossas portas
Sentem-se luzes acesas
E há indagações minuciosas dentre das casas fronteiras
Olhos colados aos vidros 
mulheres e homens a espreita
caras disformes de insônia vigiando as ações alheias.
Pela greta das janelas, pelas frestas das esteiras
agudas setas atiram a inveja e a malediscência.
Palavras conjecturadas oscilam num ar de surpresa
com peludas aranhas nas gosmas das teias tensas,
rápidas, envenenadas, engenhosas, sorrateiras.

Atrás de portas fechadas, a luz de velas acesas
brilham fardas e casacas junto com batinas pretas.
E há finas mãos pensativas entre galões, sedas, rendas.
E há grossas mãos vigorosas de unhas fortes, duras veias.
E há mãos de púlpitos e altares, de evangelhos, cruzes, bençãos.

Uns são reinóis, uns mazongos, mas pensam de mil maneiras.
Citam Vírgilio e Horácio, refletem e argumentam,
falam de minas e impostos, de lavras e fazendas, 
de ministros e rainhas e das colônias inglesas.

Atrás de portas fechadas, a luz de velas acesas
Entre sigilo e espionagem acontece a inconfidência.
E diz o vigário ao poeta:
escreva-me aquela letra, o versinho de Vírgilio,
E dá-lhe o papel e a pena.
E diz ao poeta ao vigário com dramática prudência:
tenha meus dedos cortados antes que tais versos escrevam!

Liberdade ainda que tarde, ouve-se ao redor da mesa.
E a bandeira já está viva e sobe na noite imensa.

Atrás de portas fechadas, a luz de velas acesas
Uns sugerem, uns recusam, uns ouvem, uns aconselham.
Se a derrama for lançada, há levante com certeza.

Oh! Vitórias, festas, flores das lutas da independência.
E a vizinhança não dorme, murmura, imagina, inventa.
Não fica a bandeira escrita, mas fica escrita a sentença.

 

Tutu com Fantasmas

O tutu à mineira clássico
vem com um pouco de molho de tomate, 
algumas fatias de cebola, algumas, e pedaços de ovo cozido, 
tudo por cima na panela de pedra
naquela espécie de pasta de feijão batido 
que é o tutu.
Vem também acompanhado de fantasmas, 
de Minas, naturalmente.
Alguns de barbicha ou cavanhaque
com os ventos que enfunaram caravelas portuguesas
e a mão da negra, é claro.
Após, vem fumegante o arroz branco.
É quando repicam os sinos de uma igreja de Ouro Preto
anunciando o lombo de porco assado.
E quando vem a couve mineira refogadinha com alho, 
vê-se D.Olímpia caminhando
do outro lado da calçada com seu bastão.
Ouvem-se então sons de tropéis, 
é o alferes com a tropa em louca disparada.
É hora da gloriosa cachaça com torresmo.
E da lingüiça já nem vos falo, caro leitor,
vem bem sequinha
e estranhos suspiros e ais se ouvem
é Gonzaga lembrando Marília. 
Mas não se impressionem. 
Degustem - 
Depois vem a sobremesa.

a sobremesa.


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