Paulo Augusto

Romanceiro da Inconfidência
Da bandeira de Minas

Através de grossas portas
Sentem-se luzes acesas
E há indagações minuciosas dentre das casas fronteiras
Olhos colados aos vidros 
mulheres e homens a espreita
caras disformes de insônia vigiando as ações alheias.
Pela greta das janelas, pelas frestas das esteiras
agudas setas atiram a inveja e a malediscência.
Palavras conjecturadas oscilam num ar de surpresa
com peludas aranhas nas gosmas das teias tensas,
rápidas, envenenadas, engenhosas, sorrateiras.

Atrás de portas fechadas, a luz de velas acesas
brilham fardas e casacas junto com batinas pretas.
E há finas mãos pensativas entre galões, sedas, rendas.
E há grossas mãos vigorosas de unhas fortes, duras veias.
E há mãos de púlpitos e altares, de evangelhos, cruzes, bençãos.

Uns são reinóis, uns mazongos, mas pensam de mil maneiras.
Citam Vírgilio e Horácio, refletem e argumentam,
falam de minas e impostos, de lavras e fazendas, 
de ministros e rainhas e das colônias inglesas.

Atrás de portas fechadas, a luz de velas acesas
Entre sigilo e espionagem acontece a inconfidência.
E diz o vigário ao poeta:
escreva-me aquela letra, o versinho de Vírgilio,
E dá-lhe o papel e a pena.
E diz ao poeta ao vigário com dramática prudência:
tenha meus dedos cortados antes que tais versos escrevam!

Liberdade ainda que tarde, ouve-se ao redor da mesa.
E a bandeira já está viva e sobe na noite imensa.

Atrás de portas fechadas, a luz de velas acesas
Uns sugerem, uns recusam, uns ouvem, uns aconselham.
Se a derrama for lançada, há levante com certeza.

Oh! Vitórias, festas, flores das lutas da independência.
E a vizinhança não dorme, murmura, imagina, inventa.
Não fica a bandeira escrita, mas fica escrita a sentença.