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Prólogo
TROPAS E TROPEIROS *
O homem de hoje talvez não tenha idéia real do que seja uma "tropa", no
sentido econômico assumido no Brasil. Grandes lotes de muares, esfalfando-se por centenas
de léguas, estirando-se por todos os quadrantes para conduzir especiarias do litoral e
refluir à orla marítima com os produtos da terra - tal era a "tropa", o
primeiro meio de transportes e comércio que o Brasil possuiu, e o seu maior elemento
econômico e social de colonização e fixação do homem. E os mais inteligentes e
operosos adotavam roteiros magníficos, com o fim de melhor aproveitar o esforço da
romagem. Numa época em que o correio não passava de uma instituição quase inexistente,
o tropeiro era o único agente de comunicações, conduzindo as cartas, notícias,
encomendas e recados de toda a espécie.
É espetáculo interessante o de uma dessas tropas, aliás características dos campos
gerais. Sete burros formam um lote, conduzido e atrelado por um homem que dele cuida. O
primeiro animal da tropa tem uns arreios pintados e guarnecidos de numerosos guizos. O
chefe da tropa vai a cavalo, na frente, com alguns de seus associados ou ajudantes; todos
vão armados de cumpridas espadas e vestem botas de couro castanho, que sobem até muito
em cima. Cobre-lhes a cabeça um chapéu de feltro cinzento claro. Essas tropas quebram,
às vezes, a triste uniformidade dos campos. Para arreiar-se o burro, põe-se-lhe
primeiro, ao lombo, uma albarda, "que é de madeira e tem uma forte saliência
vertical nas suas extremidades da parte superior; suspendem-se nelas, de cada lado, as
caixas ou sacos a se transportarem. A fim de diminuir a pressão dessa cangalha, forram-se
internamente com capim seco, de longas folhas estreitas e que é estendido bem por igual;
põe-se por cima desse colchão de capim um coxim feito de esteiras e cobre-se este com um
pano de algodão. A albarda assim acolchoada é, ainda, guarnecida de um couro recortado;
a parte externa deste tem dois orifícios para deixar passar as pontas da cangalha, em se
suspendem as cargas. Amarra-se, na frente dessa cangalha, uma correia larga e, atrás, uma
outra comprida: estas duas correias são indispensáveis quando se sobe ou desce uma
montanha. Uma tira de couro cru fortemente amarrada e presa a um nó, dá a volta da
cangalha e fixa-a solidamente. O animal, na cabeça, só leva um cabresto de couro cru, ou
de crina de cavalo trançada, que passa por trás das orelhas e deixa a boca do animal
livre para pastar e beber. A rédea, que se prende ao cabresto e com a qual se amarra o
burro, quando este esta arreado, é presa à cangalha; uma vez tudo isto pronto, deixam-se
os animais marchar livremente uns atrás dos outros. No fim de cada dia de viagem dá-se a
cada burro, depois de aliviá-los da carga, uma ração de milho: esta é posta, como para
os cavalos de guerra, num pequeno saco (bornal) suspenso ao pescoço do animal, ou então
espalhada sobre pedaços de couro. É quando o arrieiro raspa os animais com um
instrumento próprio chamado "raspadeira", e os solta no pasto, geralmente
próximo ao rancho".
A disciplina de uma tropa é rigorosa, para dirigi-la é necessária uma soma de
previsão, de cuidados, uma prática e uma energia de que só podem fazer idéia justa os
capitães das expedições. Não só as dificuldades próprias dos caminhos, o mau tempo,
as passagens dos rios, as travessias custosas, os atoleiros, os "roladores" das
serras, - mais ainda o tratamento diários dos animais, as aguadas, os pastos, os
transvios, as ervas venenosas, as moléstias comuns dos cargueiros, os meios de evitá-las
ou curá-las - tudo isso constitui preocupação e ocupação constante do tropeiro. E,
além de tudo isto, o zelo pela carga, que é um depósito sagrado e não pode sofrer
detrimento algum.
A probidade do tropeiro era um dos traços característicos da profissão e rarissimamente
a mercadoria ou dinheiro, entregues aos seus cuidados, deixavam de chegar ao seu destino.
Eram homens reforçados e corajosos, prontos a debelar todos os acidentes da viagem, como
práticos e honrados nos negócios".
* JOÃO DORNAS FILHO
O POETA E OS TROPEIROS
Efemérides das
Digressões de um Burro Mineiro
"Esta é uma obra
de ficção, personagens e histórias extraídos do imaginário de Minas Gerais, cujas
semelhanças com pessoas ou fatos atuais se devem à mera coincidência das inumeráveis
repetições que a vida nos impõe.
Tropeiros e burros às
vezes se confundem numa simbiose existencial provocada por longas horas de
vivência."
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