Diamantina e os sertões

                                                                                                            

Antonio de Paiva MOURA

 

O estigma do diamante e a estereotipagem historiográfica enganam a todos os estudiosos sociais de Diamantina. Todos partem da oficialização da presença do Diamante, trombeteada por Bernardo Fonseca Lobo, em 1729. Na verdade, o arraial do Tijuco já existia desde 1713, com edificação da primeira capela de devoção de N.S do Rosário. Em 1714 o arraial já contava com a igreja da devoção oficial, Santo Antonio e exploração aurífera em seu entorno. O arraial pertencia eclesiasticamente à Paróquia do Serro. Com a oficialização da descoberta do Diamante aquele arraial, que em breve poderia transformar-se na sede de um município, foi envolvido por uma situação esdrúxula, difícil de ser compreendida pelos historiadores.

O contrabando do diamante seria, de certa forma, mais fácil de ser praticado que o do ouro. Para sustar as explorações clandestinas e evitar uma mobilidade social inconveniente, foram tomadas medidas das mais severas. Assim, o Distrito Diamantino tornou-se uma ilha no centro do continente. O arraial foi cercado por todos os lados. Ninguém saia ou penetrava na demarcação sem autorização superior e especial. Felício dos Santos aborda com muita clareza todos os aspectos da administração portuguesas na área dos diamantes. Observações precisas sobre o comportamento da sociedade e das autoridades; relacionamento dos fatos com a política e o comércio externos. É nessa fonte que encontramos o conhecimento de que a metrópole experimentava de momento em momento, uma nova forma de repressão, mandando fechar as casas comerciais do Distrito Diamantino, por considerá-las o maior foco de contrabando; deposições e inquéritos contra os intendentes; prisões e execuções sumárias; fechamento das fronteiras do distrito; autoridade absoluta ao comandante do destacamento; confisco de bens em geral; derramas, devassa e processos; proibição do exercício de bacharel sendo mesmo proibido residir no distrito. (SANTOS, J.F. 1976)

Todos os passos dos indivíduos estavam vigiados do nascer ao por do sol. O habitante do arraial não gozava de liberdade para iniciativa pessoal. Havia um controle absoluto sobre os indivíduos que foram impedidos de atividades artísticas espontâneas. Havia repressão e vigilância em todos os sentidos. A segurança da metrópole impediu o estabelecimento de educandários das irmandades de ordens primeiras na região; policiou o as atividades artísticas e intelectuais; deixou a sociedade empobrecida e completamente analfabeta; impediu ao implantação de escolas de ciências humanas de nível superior; não permitiu o livre intercâmbio com outros povos que não o português; a mentalidade barroca desviou o curso de desenvolvimento das artes não religiosas ou voltadas para a religião.

Mas passada a época colonial, com a Independência do  Brasil, Diamantina acumulou o que havia herdado do passado colonial e desenvolveu,  mais que os outros centros urbanos, cresceu e tornou-se uma metrópole. É aqui que reside todo o erro de nossos historiadores. A historicidade de Diamantina reside na época monárquica e não na época colonial. Mesmo na época de D. João VI no Brasil, ainda persistia a mesma política exploratória.

A frustração do movimento chamado Inconfidência Mineira e a conseqüente repressão aos derrotados foram responsáveis  por uma verdadeira diáspora no território de Minas. A população urbana transformou-se em agrícola (CARRATO, J.F. 1968) Em pouco tempo uma nova ordem se estabelece formando o poder dos municípios nas mãos dos futuros coronéis. Mas o Arraial do Tijuco e a futura cidade de Diamantina (aliada ao centro educacional do Caraça) constitui-se numa rara exceção, de vez que a mineração diamantina não decaiu como a aurífera. Transforma-se em um centro educacional, visitada por ilustres intelectuais do Brasil e de todas as partes do Mundo, passa a ser também um centro irradiador da cultura mineira.

Os sertões mineiros, tiveram em Diamantina e no Caraça uma fonte enorme de raios luminosos de cultura. Herdaram dos antigos garimpeiros do ouro serrano e também ouro-pretano, a fibra, a valentia, a têmpera para resistir a nova e dura vida do campo. Estes homens que em pleno século vinte ainda guardam uma cultura lingüística barroca; uma imaginária colonial, silenciosa, de poucas palavras foi tudo que Afonso Arinos, no final do século XIX nos trouxe à luz de sua escritura. “O homem corajoso lutando dentro do sertão, enfrentando as asperezas agrestes, longe de qualquer conhecimento da estruturação política, legislação e jurídica. O homem anda léguas e léguas sob as canículas mais bravas para agradecer a uma graça alcançada. (...) Era preciso peregrinar com eles por este mundo.” (OLIVEIRA MELLO, A 1994 p.119)

Passado meio século, Guimarães Rosa, percorre o mesmo caminho de Afonso Arinos, onde descobre verdadeiros tesouros enterrados, ou digamos, aterrados, sedimentados na crosta bruta da terra. O universo sertanejo de Guimarães Rosa é um complexo de alma resultante da cultura barroca; sobra do homem projetado pelo Concílio de Trento; resíduo de cristão novo barbarizado. Guimarães Rosa soube nos revelar esse universo pleno de contradições do sertanejo: viver e morrer; odiar e ser amado; amar e ser odiado; ambivalência sexual e existência social; o silêncio e a verbosidade. Os valores dessa cultura ainda pulsam fortemente na alma da nação brasileira.

Bibliografia

CARRATO, José Ferreira. Igreja, Iluminismo  e escolas mineiras coloniais. São Paulo: Nacional, 1968.

OLIVEIRA MELLO,  Antonio de. De volta ao sertão: Afonso Arinos e o regionalismo brasileiro. Paracatu: Buriti, 1994.

SANTOS, Joaquim Felício dos. Memória do Distrito Diamantino da Comarca do Serro Frio. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1976.