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Breve História

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BREVE HISTÓRIA


Os coronéis do Noroeste Mineiro

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OS CORONÉIS DO NOROESTE MINEIRO:
DE BERNARDO GUIMARÃES A GUIMARÃES ROSA

Antonio de Paiva MOURA

RESUMO - Este pequeno ensaio procura interpretar a cultura sertaneja, condutora das ideologias vigentes no corpo social do Noroeste de Minas. Além disso, estuda as mudanças e transformações operadas no mundo contemporâneo, refletidas no Brasil e provocando ebulição social no Sertão.

ABSTRACT - This short essay tries to interpret the sertaneja culture that leads the current ideologies within the social body of the Northwest part of the state of Minas Gerais. Additionally, it studies the changes and transformations of the contemporary world reflected in Brazil, causing social agitation in the back-country.

O Noroeste Mineiro localiza-se ao Norte, na divisa com o Estado da Bahia; ao Sul com a região Central de Minas no município de São Gonçalo do Abaeté; ao Leste com a margem esquerda do Rio São Francisco e para Oeste na divisa com o Estado de Goiás.
Temos a impressão de que os fatos históricos se repetem de tempos em tempos. A semelhança de acontecimentos do presente com outros do passado, nos fazem emitir o velho jargão de que a história se repete. Acontece que os fatos históricos não acabam como os rótulos que lhes são dados. A Revolução de 1930 não acabou com a morte de Getúlio Vargas em 1954. Muito do que foi planejado e executado durante o "Estado Novo" ainda tem vigência até hoje. Ainda hoje reagimos a favor ou contrário às ações e empreendimentos de tal época. Ouvimos dizer que a época em que vivemos é a mais moderna, a "pós-modernidade", a "segunda modernidade" e que vimos a sociedade se transformar de um momento para o outro. Não conseguimos perceber que o conservantismo e o passadismo continuam vivos no interior das pessoas. Muitos indivíduos nos enganam ao serem abertos às inovações tecnológicas: são atualizados quanto à moda e estilo de vida, mas conservadores porque mantêm inalterada a estrutura das desigualdades sociais; os mesmos preconceitos do passado; as mesmas ideologias de séculos e séculos. É ai que a história parece repetir-se, mas na verdade continua a mesma de sempre. A classe dominante luta para que não haja mudança. O conservadorismo é a ideologia da classe dominante.
Para Marx, ideologia é ilusão, consciência deformada da realidade que permanece por interesse das camadas dominantes da sociedade. Karl Mannheim, em seu livro "Ideologia e utopia", ampliou esse conceito dizendo que ideologia é um conjunto de concepções, idéias e teorias que se orientam para a legitimação da ordem estabelecida. São doutrinas que têm um caráter conservador e que servem à manutenção da ordem estabelecida. As utopias, ao contrário, são aquelas idéias que aspiram uma outra realidade ainda não existente. As utopias negam a ordem social existente e se orientam para uma ruptura. Desta forma as utopias são subversivas e revolucionárias (Löwy, 1993: 15). A ideologia é como a geladeira que conserva o sabor do passado e impede a sua transformação ou reprodução. Há 120 anos Marx observava que a mentalidade do passado continuava prevalecendo por longo tempo, impedindo avanços nas ciências e no comportamento humano. Os conceitos estabelecidos não cediam lugar a novos conceitos. Diz que quando alguém empenhado em transformar, revolucionar ou criar algo que jamais existiu, os espíritos do passado tomam o seu lugar. Assim, Lutero recorreu às epístolas do apóstolo Paulo; a Revolução Francesa de 1789 vestiu-se de Império Romano; a Revolução de 1848 só soube parodiar a Revolução burguesa de 1789 e todos os seus mortos. "A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos" (Marx [1885], 1974: 335).
O nosso tema "neo-coronelismo no Noroeste Mineiro" é uma forma de abordagem do assunto a partir de uma figura de linguagem de vez que o fenômeno coronelismo não existe mais. Porém, as relações sociais que o gerou ainda persistem. O que foi o coronelismo? Logo após a Proclamação da Independência do Brasil (1922) a Guarda Nacional passou a garantir às classes dominantes o poder que lhes faltava na vigência do regime colonial. Os chefes locais mais prestigiados automaticamente ocupavam nela os postos mais elevados, sendo os "coronéis". Eram eles os proprietários das velhas fazendas e das indústrias em surgimento. Seguiam os estratos inferiores, subalternos que também obtinham títulos militares, como major, capitão e cabo. Deste último persiste a reminiscência do cabo eleitoral de hoje. O poderio econômico do coronel caracterizava-se pela capacidade de explorar as imensas terras disponíveis, para manter o latifúndio e a monocultura, o coronel lançou mão de algo que substituía a mão-de-obra de baixo custo depois da libertação dos escravos. O agregado, substituto do escravo, não tendo outra opção, entregava o seu trabalho em troca da necessária, proteção e do indispensável favoritismo oferecido pelo coronel paternalista. O coronel exigia de seus parentes e demais estratos sociais, uma disciplina férrea e de modo indubitável uma confissão de absoluta fidelidade. O menor fato que viesse a contrariar essa ordem estabelecida; qualquer sinal de ruptura com essa ideologia era respondida com o crime (Moura, 1983: 60).
Após a Proclamação da República a Guarda Nacional foi extinta. Mas, durante a República Velha (1889-1930) os fazendeiros continuavam gozando da ideologia congelada nos títulos marciais especialmente o de coronel. Os coronéis eram os donos do Partido Republicano, o instituto que escolhia o presidente da República, os governadores dos estados, os senadores, os deputados e os chefes dos executivos municipais. O poder judiciário também advinha do coronelato. Não raro, o bacharel em direito e potencial magistrado era filho ou neto de coronel.
As cidades pólos de Minas fundem sua história aos nomes de família. Cada circulo era a área social de uma vasta parentela contígua num largo domímino de terra. Num certo círculo, por mais fechado que fosse, sempre aparecia um membro mais ousado que ia ligar-se, por laços de casamento, com outro circulo socialmente vizinho. Forma-se assim a constelação do mando em Minas. De tal forma que até hoje a história política de Minas ainda tem vínculo com as grandes famílias. No Noroeste Mineiro os Melo Franco se entrelaçam com os Caldeira Brant, em virtude do casamento de João de Melo Franco com a sobrinha de Felisberto Caldeira. Na segunda geração aparenta-se com Cunha Branco. Na terceira, com Alves de Souza e Batista Franco. Com Joaquina de Pompeu através do casamento de Virgílio de Melo Franco com uma Pinto da Fonseca. Afrânio de Melo Franco, filho de Virgílio casou-se com uma filha de Cesário Alvim.(Horta, 1956). O poder local estava ligado ao poder central do Imério através de uma determinada família. A partir da Proclamação da República a política local oportunizando o aparecimento de novos nomes no Noroeste Mineiro, especialmente os fundadores do Partido Republicano como: José Gonçalves de Oliveira Vilela, Manoel Goia, Alceu Vitor Rodrigues, Furtado Jacinto Botelho, Euzébio Michel Gonzaga, Pedro Brochado, Pedro Salazar Moscoso da Veiga Pessoa, Manoel Monteiro da Mata Vasconcelos.
Durante a República Velha (1889-1930) essas famílias dominaram o Partido Republicano Mineiro, dividido em facções rivais. A Revolução de 30 tentou desarticular as hostes familiares mineiras mas encontrou resistência. Os novos partidos criados por Getúlio Vargas foram dominados por políticos tradicionais de Minas. Em 1950 apenas 30% da população de Minas era urbana. Na mesma data 52% dos prefeitos do Estado eram fazendeiros. Entre os vereadores, 72% eram fazendeiros. O PSD tinha a preferência dos fazendeiros enquanto a UDN recebia a votação de comerciantes e industriais. Pactuava com o capital das superpotências, isto é, o viés da globalização econômica. O PTB era o partido das classes médias e proletariado urbano. Em 1950 obteve apenas 14% da votação em Minas. O fazendeiro era mais flexível e tendia a migrar-se para o partido em que estivesse o presidente da República e o governador do Estado (Carvalho, 1956). O PSD era o partido que encarnava as idéias conciliatórias herdadas do Positivismo. Conciliação significava continuidade. Evitar a mudança revolucionária e prometer uma evolução sem trauma. "Era conservador, na visão de Comte, aquele que conseguia conciliar o progresso trazido pela Revolução com a ordem necessária para apressar a transição para a sociedade positiva" (Carvalho, 1998 :88).
Na concepção liberal a função do Estado reduzia-se a assegurar a manutenção da ordem estabelecida, em que os interessados individuais e o jogo livre dos mesmos constituíam o interesse geral. "O esforço natural de cada indivíduo no sentido de melhorar sua própria condição com liberdade e segurança é um princípio tão poderoso, que ele é capaz, sozinho, não somente de levar a sociedade à riqueza e à prosperidade, mas de superar centenas de obstáculos impertinentes com os quais a insensatez das leis humanas muitas vezes obstacula seus atos" (Smith, 1996: 54). Mediante essa doutrina, os proprietários dos meios de produção na República Velha colocavam o Estado unicamente a serviço da manutenção da ordem. É claro que essa posição doutrinária apenas abonava a situação de fato da injustiça social vigente no começo do século XX e começo do regime republicano. A República nasce sob o signo do Positivismo que lhe oferece embasamento teórico e prático. Primeiramente propunha a separação da Igreja do Estado. A aliança com a Igreja enfraquecia o Estado em prejuízo da ordem. O lema cravado na nossa bandeira deixa claro que a ordem vem em primeiro lugar. "Sem ordem não há progresso". Na concepção de Comte o progresso depende da ação de um Estado forte. O progresso através da ditadura que redunda na ideologia do despotismo esclarecido enraizado na tradição luso-brasileira desde os tempos de Pombal (Carvalho, 1998: 95). Os benefícios do progresso são destinados somente às elites do poder. Valem-se do Estado e da Religião para impor a ordem e abafar a voz dos descontentes, excluídos e marginalizados.
A literatura e a documentação histórica estão repletas de registros de agressões a indígenas e a famílias marginalizadas pela pobreza nos seringais do Norte, na região canavieira do Nordeste, na região cafeeira e pecuarista do Sudeste e do Oeste e na lavoura do Sul agrário industrial. No Rio Doce e no Noroeste Mineiro o fazendeiro expulsou e abateu a tiros os indígenas e abriu espaço à criação de zebu. Os migrantes nordestinos passaram a ser os agregados, os novos escravos, homens e mulheres servis e subservientes. Não era a capacidade de trabalho ou eficiência técnica a norma para contratação do trabalhador, mas a demonstração de fidelidade ao patrão, a valentia e a bajulação. Era a resignação e a conformação à péssima remuneração do trabalho; conformação com a miséria das famílias. Portanto, a completa degradação da população pobre. Homens bem intencionados à procura de ocupação transformavam-se em jagunços.
Bernardo Guimarães e Afonso Arinos que viveram na região no século XIX souberam bem captar a submissão, a impotência e o servilismo dos estratos inferiores. Para sobreviver os agregados e forasteiros tinham que demonstrar duas qualidades opostas: valentia e piedade religiosa. O "Ermitão do Muquém", de Bernardo Guimarães, publicado em 1866 tem como enredo a história de um rapaz muito devoto de Nossa Senhora da Abadia em Muquém, na margem do Tocantins, em Goiás. Ao matar, quase acidentalmente um amigo, teve que se refugiar para não acertar as contas com a Justiça. O milagre da santa o recambiou a Muquém, onde tornou-se um ermitão místico, de comportamento medieval (Guimarães, 1972).
Nos contos de Afonso Arinos, vivendo em meio ao perigo, impossibilitado de ser protagonista da luta de classe ou da luta pela sobrevivência, o homem rural está sempre em luta com as almas do outro mundo, contra os castigos do céu. Os rivais do sertanejo são seus próprios pares, seus colegas de trabalho ou pessoas do mesmo nível. No conto "A garupa" o patrão fazendeiro ouve o seu vaqueiro narrar uma história de pavor na luta que teve para transportar o cadáver de um companheiro, do mato onde trabalhava até a fazenda. Outro agregado narra ao patrão a proeza de prender um perigoso assassino denominado Pedro Barqueiro, sem usar arma alguma. Essas façanhas, longe de ameaçar a estrutura reforçam a ordem vigente. O sertanejo de Arinos, homem submisso e fiel tem dois antagonistas: a assombração e o rival. Por outro lado, tem dois parceiros: o patrão e o cavalo (Malard, 1982).
Já no século XX, Saul Martins registrou com precisão o conhecido episódio do migrante baiano Antonio Dó, localizado nas margens do Urucuia. O bandido era contratado por fazendeiros para assassinar outros fazendeiros pertencentes a facções rivais do Partido Republicano Mineiro, PRM, na segunda década do século XX. Acabou criando um poderoso bando, semelhante ao de Lampião, revoltado contra o mandonismo do coronelato do sertão e teve que enfrentar os batalhões da Polícia Militar de Minas Gerais. A polícia perdeu muitos homens e até pelotões inteiros para capturar Antonio Dó (Martins, 1967).
Em "Grande Sertão: veredas", Guimarães Rosa reúne o universo do sertão cangaceiro com todas as suas contradições. Facções inimigas se digladiam o tempo todo. Riobaldo, o personagem narrador é sectário, mentor e companheiro de Diadorim que nasceu mulher e foi criada como homem para cumprir uma determinação de vingança do pai. Perseguindo o bando de Hermógenes, assassino do político e chefe regional Juca Ramiro a hoste de Diadorim atravessou o Sertão Mineiro até Paredão no município de Buritizeiro, onde houve a batalha final. Os bandos de cangaceiros estavam sempre dispostos a guerrear. Tinha sabor de jogo esportivo, embora a contagem de pontos fosse em homens abatidos por tiro ou punhal. Para tal o cangaceiro precisava ter ódio de seus adversários. Na véspera do confronto final Riobaldo diz textualmente: "Eu questionava comigo que eles deviam de lavorar mais raiva. Raiva tampa o espaço do medo, assim como do medo a raiva vem. Tive muito ódio do Hermógenes. Só não sabia porque" (Rosa, 1988: 507).
Na verdade, o motivo pelo qual os cangaceiros deviam lutar não era explicito, mas sim oculto na ideologia da demonização dos adversários. Cultura maniqueísta arraigada no sertanejo como resíduos do cristianismo medieval. Um folguedo muito apreciado em Goiás e Minas Gerais é o auto das cavalhadas de mouros e cristãos. Nele o rei dos cristãos representa o poder do bem e o rei dos mouros o poder do mal que deve ser vencido. Os bandos cangaceiros têm em sua retaguarda um poderoso chefe. Quando um cangaceiro se filia a uma hoste qualquer ele está buscando proteção e manutenção da ordem vigente. O assassinato de Joca Ramiro foi um ato de subversão. O que mais perturba e incomoda a mente do sertanejo é quando o forasteiro ou estranho chega para molestar o seu chefe, seu líder e protetor.
Além disso, o Sertão roseano se dissolvia com as migrações para os grandes centros. Em "A terceira margem", um homem narra a história de sua solidão. Primeiro foi o pai que resolveu entrar em uma canoa e desaparecer-se. Um dia o narrador se assustou com o fantasma do pai, em pé sobre a canoa a dirigir-se para seu lado. Cada um dos familiares tomou um rumo. Mãe e irmãos continuavam apenas em sua memória como estranhas companhias. É interessante como o narrador fala do silêncio imposto pela severidade da ordem estabelecida. A submissão insuportável que provoca o êxodo da família. "Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro e sido assim desde menino. Só quieto. [...] O rio também calado que sempre. [...] Nosso pai suspendeu a resposta (Rosa, 1988).
E agora?
A partir da inauguração de Brasília as transformações políticas, econômicas e sociais em todo o Centro-Oeste do Brasil, especialmente no Noroeste Mineiro ocorreram em ritmo acelerado. A região passou a ser preparada para a produção agrícola e pastoril visando o abastecimento de Brasília, Belo Horizonte e fornecimento de matéria-prima para a indústria paulista. A mão-de-obra local era abundante e de baixo custo em face da subserviência dos trabalhadores da região. Além disso, o regime ditatorial que se instaurou em 1964 privilegiou o empresário rural impedindo que os trabalhadores se organizassem e perseguindo as lideranças. Em 1965, o Presidente Castelo Branco atingiu os partidos políticos existentes por meio do Ato Institucional Nº 2, criando o bipartidarismo. Os velhos partidos reagruparam-se na Aliança Renovadora Nacional (ARENA) do governo e no MDB, oposição. A ARENA recebeu em peso a UDN e parte do PSD. O MDB recebeu o PTB e parte do PSD. Continuaram as cassações de mandatos de deputados federais e senadores oposicionistas, redundando em desarticulação completa das classes trabalhadoras. As oligarquias rurais acenderam-se ao poder até a década de 80.
Nas décadas de 80 e 90 do século recém-findo o capitalismo globalizado estabeleceu novas estratégias em benefício dos paises hegemônicos na forma do neoliberalismo de Margaret Thatcher, na Inglaterra referendada pelo Consenso de Washington. A ideologia neoliberal parte da retórica de que os benefícios sociais, levados a efeito por instituições estatais, acabam onerando o custo do produto na forma de encargos, tributos e remuneração do trabalho. O produto onerado perde em competitividade. Ganhar em competitividade significa maior remuneração do capital. O quadro atual da estrutura partidária e da organização sindical no Brasil foi moldado conforme imposição do neoliberalismo e da globalização. Temos o PMDB, Partido do Movimento Democrático Brasileiro, herdeiro do ecletismo conciliador do antigo PSD. O PSDB, Partido da Social Democracia Brasileira e o PFL, Partido da Frente Liberal que incorporam as tendências neoliberais, valorizando e facilitando o investimento externo no País; redução dos serviços públicos e diminuição dos encargos sociais. O PT, Partido dos Trabalhadores, surgiu como oposição ao regime militar: negando o velho trabalhismo; buscando a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e minorias excluídas. Essas três tendências ideológicas é que provocam o estado de ebulição política atual no Noroeste Mineiro. Não é por acaso ou por simples coincidência o fato de o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) ter escolhido o município de Buritis para instalar sua fazenda.
O setor agropecuário foi sempre muito dependente de outros setores como o comercial e o industrial. Qualquer que seja a destinação da sua produção (exportação, abastecimento ou fornecimento de matéria prima) o custo de produção predomina enormemente. A classe trabalhadora é sempre considerada a vilã de ônus do custo de produção. O Estado está sempre a pressionar para baixo o preço dos produtos agropecuários visando a diminuição do preço de custo do produto industrial. Parece estar aqui o ovo da serpente da luta entre o trabalhador e o proprietário agropecuário.
Os pequenos produtores sempre apontaram várias inadequações do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (PROAGRO) que é um seguro de má qualidade, pois tem contribuído para o endividamento e perda de suas terras. Para obter financiamento o pequeno agricultor penhora suas terra e no caso de intempéries, ao invés de benefício, o mutuário passa ao banco tudo que lhe resta.
Em 1985, no Nordeste de Minas a planilha de custos da produção levantada pelos sindicados e pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (FETAEMG) constatou que os pequenos produtores estavam tendo prejuízo na comercialização e reivindicaram aumento do preço mínimo e garantia de aquisição do produto, nada conseguindo de satisfatório. O pequeno produtor não pode concorrer com os grandes produtores, pois o custo de produção daqueles é muito maior que dos grandes proprietários. Aproveitando-se dessa situação o grande produtor incorpora as pequenas propriedades degradando ainda mais as condições sociais dos agricultores, conforme observam Sgrecia & Gadelha (1987). A expansão do capital na lavoura gera a concentração fundiária; concentração de renda, aumento da quantidade de bóias-frias e a exploração do trabalho familiar; inclusão de mulheres e crianças na produção.
A tensão no campo não se resume à questão agrária, mas, sobretudo pelas condições acima expostas. Em janeiro de 2004, um grupo de três fiscais do Ministério do Trabalho que investigava a existência de diversos trabalhadores rurais em condição análoga a de escravo foi assassinado a mando de um empresário rural de Unai. O motorista do veículo ainda foi encontrado com vida, mas faleceu no hospital em Brasília sem poder testemunhar a chacina. Em fevereiro de 2004, um fazendeiro de Unai declarou que se o governo resolvesse fazer cumprir a lei, todos os fazendeiros do Noroeste iam dispensar seus trabalhadores. Antes do assassinato dos fiscais o produtor rural de Unai, Luiz Antonio Mânica, havia ameaçado de morte os mesmos. Na região, as forças que apóiam os trabalhadores são ínfimas. O trabalhador rural, não raro, é submisso e defensor do patrão. Muitas vezes se volta contra os próprios companheiros de labor.
Em outubro de 2004, Antério Mânica, acusado de ser o mandante da chacina de Unai, encontrava-se preso na Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, quando recebeu a notícia de que havia sido eleito Prefeito municipal de Unai pelo PSDB, com 72,37% da votação. Imediatamente a Justiça lhe outorgou liberdade, tendo sido recebido com festa na cidade. O prefeito de Unai, José Braz disse que o clima estava tenso, de vez que os correligionários de Antério Mânica só acreditavam em sua inocência. Acreditavam que as acusações contra Antério Mânica, seu irmão Norberto Mânica e mais seis comparsas presos eram pura invenção do candidato oponente, Geraldo Minas Brasil, do PTB. Para eles, tudo não passava de falso recurso para vencer o pleito eleitoral. Antes e depois das eleições os eleitores de Antério Mânica estavam agredindo os adversários com sérias ameaças e impedimento de transitar pelas ruas da cidade. O carro de reportagem da TV Alterosa de Belo Horizonte foi atacado pelos correligionários de Antério Mânica. Os partidos PMDB e PSDB fizeram maioria folgada de vereadores. Os cinco candidatos a vereadores do PT juntos só obtiveram 506 votos num total de 40.917 votantes, isto é, 1,2% da votação.
Esse quadro revela um estado mórbido de conservantismo, como num "flash-back" que nos leva ao universo de Riobaldo a falar de Joca Ramiro, Zé Bebelo, Hermógenaes e Diadorim. A história não se repete. As coisas não mudam como a gente pensa ou quer e a história continua.

REFERÊNCIAS

1. CARVALHO, José Murilo de. Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
2. CARVALHO, Orlando M. Os partidos políticos em Minas Gerais. In: Segundo Seminário de Estudos Mineiros. Belo Horizonte: UFMG, 1956.
3. GUIMARÃES, Bernardo. O ermitão do Muquém. [1866]. Brasília: INL, 1972.
4. HORTA, Cid Rebelo. Famílias governamentais de Minas. In: Segundo Seminário de Estudos Mineiros. Belo Horizonte: UFMG, 1956.
5. LÖWY, Michael. Idologia e ciência social. São Paulo: Cortez, 1993.
6. MALARD, Letícia. O conto regional: Afonso Arinos. In: Seminário João Alphonsus. Belo Horizonte; Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais, 1982.
7. MARTINS, Saul. Antonio Dó: o jagunço mais famoso do Sertão. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1967.
8. MARX, Karl. O 18 de brumário de Luis Bonaparte. Tradução de Leandro Konder. Os pensadores. (XXXV) Marx. São Paulo: Abril Cultural, 1974.
9. MOURA, Antonio de Paiva. História da violência em Minas. Belo Horizonte: Autor, 1983.
10. ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
11. ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
12. SGRÉCIA, Alexandre; GADELHA, Edmar Guariento. Movimento rural, 1970-1985. In: PROPERMAYER, Malori José (org.). Os movimentos sociais em Minas: emergência e perspectivas. Belo Horizonte: UFMG, 1987.
13. SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causa (1776). Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultura, 1996
Antonio de Paiva Moura é mestre em história e professor do UNI-BH






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Data:
17/12/2004


Fonte:
Asminasgerais