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CHICO MINEIRO - O HERÓI DO SERTÃO
Chico Mineiro - O Herói do Sertão

de Jorge Guardacampos

dedicada a Juliana Wildhagen

Cenário: são quatro cenas: interior do Cartório, casinha do Zé de Souza, noite da Inconfidência, um curral e a varanda de fazenda antiga.

Música: "Ladrão de Terra", dos autores: Teddy Vieira e Moacir dos Santos

Personagens

Chico Mineiro
Zé de Souza (amigo do Chico Mineiro)
Sebastiana (irmã do Chico Mineiro)
Tabeliã (Dona do Cartório)
Padre Carlinhos
Zé da Zefa
Pardinho
Capataz (sogro do Zé da Zefa)
Cardosão (Fazendeiro)
Marionete 1 (violeiro e narrador da história)
Marionete 2 (cantora)

Esta é a história de Chico e seus conterrâneos, personagens com muitas virtudes, mas uma em especial: a coragem, que pode ser traduzida na linguagem das crianças como sendo heróis. Justifica-se essa escolha porque todos nós precisamos de heróis que nos ajudem a continuar firmes em nossos propósitos. Mostrar tanto à criança quanto ao adulto que a maioria dos heróis não alcança fama nem glória: eles podem ser pais e mães que trabalham muito e cuidam de seus filhos dia e noite, professores que jamais desistem, um vizinho disposto a ajudar, e até mesmo meninos e meninas que brincam e sorriem inocentes. Ser herói nos dias de hoje é se comportar como um jardineiro que busca, ao semear a terra, tornar o mundo belo. Num jardim, cada planta é o início de um mundo. Na escola, cada criança é o início de uma nova luz, de uma nova pessoa: gente, cidadão. E gente foi feita para brilhar. Podemos dizer que ser herói é construir beleza, porque, como diz o poeta Paulo Augusto de Lima, "o homem também é figura amorosa, capaz de ternura, de grandes gestos, apesar de fazer a guerra e deixar que a fome cresça. Cria, faz arte, se emociona, o que o coloca além da mera estupidez e da ignorância pretensiosa. Faz versos, pinta, compõe e toca, faz filmes, inventa, planta".



Chico Mineiro - O Herói do Sertão


Cena 1

Dois caipiras cantam a música "Ladrão de Terra"

Marionete
Vou contá pró cês esta história de injustiça. Ela fala que gente miúda só permanece miúda se achá que as estrelas tão mortas só pruquê o céu tá nublado. O nosso herói, o Chico Mineiro, chega de BH depois de receber uma carta dizendo qu'um fazendêro rico tomô as terras que seu pai tinha deixado prá sua mãezinha. Vai inté o Cartório prá mode fazê valê seus direito.

Cena 2

(abrir as cortinas - interior de um cartório)

Zé de Souza (entrando no cartório)
Boa tardi, dona! Vim prá mode registrar o meu fio.

Tabeliã
Boa tarde, seu Zé de Souza. Já escolheu o nome da criança?

Zé de Souza
Já, sim senhora. Eu e minha muié escolhemos. Ele vai chamá Ebatata.

Tabeliã
Ebatata?

Zé de Souza
Sim! Ebatata de Souza!

Tabeliã
Desculpe-me, senhor! Mas com esse nome eu não posso registrá-lo.

Zé de Souza
Por que não?

Tabeliã
Porque Ebatata não é nome de gente! Aliás onde o senhor arranjou esse nome?

Zé de Souza
É que eu sou plantador de batatas!

Tabeliã
E daí?

Zé de Souza
É que o meu vizinho é plantador de milho e colocou o nome do filho dele de Emilho, uai!

Chico Mineiro (entrando no cartório muito nervoso)
Boa tardi, Zé de Souza. Cume qui vai a comadre, dona Celinha?

Zé de Souza
Olá cumpadre Chico! Foi bom cê chega. Eu tou tentando registra meu fio, mas a dona Tabeliã num que deixá, uai.

Tabeliã
Boa tarde, seu Chico. Em que posso ajudá-lo?

Chico Mineiro
Dona Tabeliã vim aqui reclamá correção. Sou dono das terra prá lá do riachão. Sobe que um fazendeiro ricão, o Cardosão, com unha de gavião, botô prá fora minha mãezinha, inda judiô de minha irmã Sebastiana!

Tabeliã (voz calma e conciliadora)
A fazenda é dele agora seu Chico.

Chico Mineiro
Oh dona! Num faz de desintendida. O Cardosão arrumou os paper farso aqui neste cartório! Eu quero correção nesta questã. Nos não vendeu as terras, elas foram griladas.

Tabeliã
Ouça seu Chico Mineiro, se acalme porque esta questão é impossível de resolver!

Chico Mineiro
Imporssíverl? Imporssíverl é questã de tempo, dona Tabeliã!

Tabeliã
Seu Chico, seu Chico! Porque que o senhor não vai embora? O senhor não havia trocado esta cidade por outra maior?

Chico Mineiro
Dona Tabeliã, seus conseió é coisa de enganá coió. A única pessoa que gosta de ser trocada é um bebê moiado, uai!

Zé de Souza
Isto mesmo, Chico. Iguarzinho ao meu fio, o Ebatata...

Tabeliã (ficando nervosa)
Ouça aqui seu Chico Mineiro! Não dou cumprimento a sua ação. O tal fazendeiro tem rios de dinheiro prá gastar nessa questão e muito capanga prá dá supetão.

Chico Mineiro
Oia só que povo mais embruião. Num tenhu sequer um tostão. Meu dinheiro é dois: bala na aguiá e revólver no cinturão!

Tabeliã
Seu Chico vou te dar um conselho: o senhor vai é arrumar confusão. Quando não se sabe para que porto estamos indo, não existe vento a favor!

Chico Mineiro (saindo do Cartório muito bravo junto com Zé de Souza)
Intão vou lhe dá ôtro conseio: ou nois encontremu um caminho, ou abrimo outro. Tenho dito, uai!


Cena 3


(casa do Zé de Souza)

Sebastiana
Intão mano, arresorveu a justa questã?

Chico Mineiro
Resuvi não, mana Sebastiana. Num cunsegui justiça prá nossa proteção. Se aprepará que vamu mandá os trapaceiro prá sete parmo do chão!

Sebastiana
Má mano Chico, os homi são muito, e nois aqui só dois irmão?

Chico Mineiro
Tenha medo não. Coraje é resisti ao medo. Nois tá com a razão.

Zé de Souza
Isso mesmo Chico. Nois pode te ajudá nesta peleja.

Sebastiana
Sei não, mano. Purquê ocê num vorta prá cidade e larga essa questã assim mermo?

Chico Mineiro
Posso não mana. Dê quê me adianta vivê na cidade, se a felicidade não me acompanhá. Daqui nunca devia ter saído.

Sebastiana
Eu senti muito sua farta!

Chico Mineiro
Eu também, mana. Me alembrava das madrugada quando a passarada fazia alvorada, escutá o gado berrando e o sabiá cantando.

Sebastiana
Lembro bem qu'ocê gostava de oia pru céu e vê as Três Maria. Lembra que nois ia pro campo vê os beija flô e as brabuletas beijando as margarida?

Chico Mineiro
Lembro sim, mana querida. Lá na capita sempre me veio umas saudade! Saudade no peito é como um ispinho.

Zé de Souza
Tempo bão. Se alembrão: aos domingo nos ia prás sete lagoa pesca lambari, sua mãe assava bolinho. Nas noite de São João, que festança, sempre tinha dança e umas moça bonita pra namora.

Chico Mineiro
Mas num se aperreie não gente. Se hoje num pode ser igual foi, nois faz diferente.

Sebastiana
Mas agora tá tudo perdido. Nosso pai se foi, e as terra foi tomada pelo grileiro embrulhão.

Chico Mineiro
De nosso pai só resta a saudade, mas as terra nois toma de novo, ah se tomamo! Num é mermo, Zé?

Zé de Souza
Craro cumpadi. Nois pode chamá o Pardinho. Ele é cabra valente e bom de briga. Se bem que agora ele tá casado, sabia?

Chico Mineiro
Sabia, não! Casou com a Lindalva?

Zé de Souza
É, aquele muierão! Agora o bicho tá que é um touro!

Chico Mineiro
De forte?

Zé de Souza
Não, de chifre! (risada dos dois)

Sebastiana
Ô gente mardosa. Num se brinca assim. Eu vô é chamá o Padre Carlinhos prá mode de pô juízo na cabeça docés dois! Vou contá o que cês tão tramando.


Cena 4


(fechar as cortinas)

Marionete
É pessoal, o trem tá feio. As terra são muita, mas os dono são pôco e isto é muito feio. Alguns banqueteando, muitos passanu fomi. Nestas terras de palmeiras houve Canudos, Contestado, Juazeiro e quantidade de cangaceiro, e nas terras do Chico Mineiro: muito ouro desordeiro, rufião alcoviteiro e Tiradentes - homi verdadeiro. Negar terra pros caboclos é negar pão pros nossos filhos. Tirar terra dos caboclos é tirar o Brasil dos trilho.


Cena 5


(abrir as cortinas)

Padre Carlinhos (chegando à casa do Zé de Souza)
Que beleza está o sítio Zé! Capinado, arado, construiu um galinheiro, um pomar, fez uma horta e uma casinha de dar inveja aos seus vizinhos. Que belo trabalho vocês fizeram aqui Zé!

Zé de Souza
Vocês?

Padre Carlinhos
Sim, você e Deus!

Zé de Souza
Ahhh! Mas o senhor precisa vê cumo é qui tava isso aqui na época que ele cuidava sozinho!

Padre Carlinhos
Olha a blasfêmia meu filho! Mas eu vim mesmo é falar com o seu Chico Mineiro! Sua irmã, a Sebastiana, me disse que o senhor vai querer tomar de nova as terras que foram de sua família?

Chico Mineiro
Foram não, Padre Carlinhos. As terra são nossa!

Padre Carlinhos
Pense bem! Pense no que vai fazer! O senhor vai entrar numa guerra!

Chico Mineiro
Sô Padre: é meió um ovo hoje, du'que uma galinha amanhã! Tô cuidando dos meu direito, uai!

Padre Carlinhos
Olha seu Chico, Deus tá vendo! Quem semeia vento, colhe tempestade...

Chico Mineiro
Quem quize uma bêsta sem defeito, o melhor é andar a pé!

Padre Carlinhos
Blasfêmia, homem de Deus. Quem semeia virtudes colhe boa fama.

Chico Mineiro
Oia Padre Carlinhos. Respeito o sinhô, que é homi de Deus. Mas nossa terra é sagrada. Meu pai rasgô estes sertão primero. Tinha de profissão carreteiro. Puxava tora do mato com dois boi pantanêro. Ajudou desbravar o sertão mineiro, e nisso ele foi um dos pioneiro!

Padre Carlinhos
Eu sei meu filho, mas vamos tentar resolver isto no direito.

Chico Mineiro
Qual direito? Com aquela tabeliã embrulhã e esse fazendeiro grileiro? Oia Padre, e num é só a questã das terra!

Padre Carlinhos
Não?

Chico Mineiro
Pois meu pai deixou dois boi carreiro, muito porco no chiqueiro, cavalo bão arriado, quatorze vaca leiteira, boi solto na invernada, um arrozal lá no banhado, um arreio arrumado e facão veio, mas afiado! O safado do Cardosão ficou com tudo, tudo, tudinho. E tem mais...

Padre Carlinhos e Zé de Souza (juntos)
Tem? O que?

Chico Mineiro
Minha mãe.

Padre Carlinhos
Sua mãe? Não estou entendendo!

Chico Mineiro
O marvado botô minha mãe prá fora das terra nossa. Abelha veiá não produz mél!

Padre Carlinhos (saindo da casa)
Olha seu homem tolo, dois erros não fazem uma certeza. Vou prá igreja pedir a Deus juízo prá tua cabeça...

Chico Mineiro
Então Zé, vamos chamá os amigo? O Pardinho, o Tião Franco, o Zé da Zefa...

Zé de Souza
O Zé da Zefa pode ir, mas tem um probrema, Chico!

Chico Mineiro
Quar probrema homi de Deus? Ele num é nosso parente?

Zé de Souza
É mas agora ele tá casado com a Margarida, filho do Capataz do Cardosão, o tar fazendeiro malandro. Mas mermo assim acho que ele vai conosco.

Chico Mineiro
Vamo vê, né.

Zé de Souza (saindo de cena)
E tem o Filipe da Neuza, e o Teodoro mais o Sampaio. É tudo gente dercidida.

Chico Mineiro
Onde ocê vai homi.

Zé de Souza (voltando do interior da casa)
Fui despedi da muié e do fio.

Chico Mineiro
Ô cumpade, pro mode quê tá levano esses dois embornal?

Zé de Souza
É que tô levano uma pingazinha, cumpade.

Chico Mineiro
Pinga, cumpade? Nóis num tinha acertado que num ia bebê mais?!

Zé de Souza
Cumpade, é que pode aparecê uma cobra e pica a gente. Aí nóis desinfeta com a pinga e toma uns gole que é pra mode num sinti a dô.

Chico Mineiro
É... e na outra sacola, o que qui tá levano?

Zé de Souza
Uai, é a cobra, cumpade. Pode num tê lá...


Cena 6


(fechar as cortinas)

Marionete
"Através de portas fechadas,
A luz de velas acesas
Mulheres e homens a espreita
Entre sigilo e espionagem
Acontece a inconfidência mineira
E há grossas mãos vigorosas, duras veias
Liberdade ainda que tarde,
Ouve-se ao redor da mesa."


Cena 7


(abrir as cortinas - pano escuro no fundo - uma vela acesa e a bandeira de Minas - o clima é conspiração e suspense)

Chico Mineiro
Chegou a hora pessoal. Vamos tomar as terras.

Zé de Souza
O resto do pessoal tá ai fora, Chico.

Zé da Zefa
Eu tô com medo, perssoá. Cês sabe né, o Capataz do Cardosão é meu sogro, homi brabo e tem muitos capanga com ele.

Pardinho
Num vão pensá muito não gente. Vamu logo arresorvé está justa. Mas primeiro o Zé de Souza pudia puxa uma oração.

Zé de Souza
Minha Nossa Senhora do Rosário
Sou seu devoto ferrvoroso
Que vem humilrdemente lhe suplicar
Seja alma caridosa
Ajuda nois nesta empreitada
Que prometo um mundão de coisa
Agora e na hora de nossa morrte
Amém!

Todos
Amém

Chico Mineiro
Que promessa cê vai cumnpri, Zé?

Zé de Souza
Num fazê mais piada de nada.

Pardinho
Intão vamo indo...

Zé de Souza (todos já saíram e ele grita para o público)
Cês sabem pruque qui na roça num tem leite fresco? (dando risadas)
Porque as vacas não cabem dentro da geladeira!


Cena 8


(interior da fazenda do Cardosão)

Capataz (gritando)
Seu Cardosão? Seu Cardosão?

Cardosão (aparecendo)
Fale Homem.

Capataz
O Chico Mineiro tá lá fora armado mais a irmã, a Sebastiana e uns caboclô. Diz que vai invadi e botá nois prá fora que a terra é dele.

Cardosão (dando risada)
Reuná os homi. Vamo mandá bala nesses caipira. (Gritando) Prá um cavalo esfomeado, cabresto curto... Fogo nesses coió!


Cena 9


(tiroteio e muita fumaça; de vez em quando aparece a cabeça do Chico, outra do Capataz, outra da Sebastiana; até que em meio à fumaça Zé da Zefa de frente com o sogro - o Capataz)

Zé da Zefa
Oia aqui, sogrão. Pare com isso e passe pro nosso lado. Ou vai querê acerta bala no pai de seu neto, uai?

Capataz (depois de pensar um pouco)
Tem razão Zé. Chega de marvadeza.

Tiroteio e muita fumaça. Depois de um tempo aparece Chico Mineiro e Sebastiana e tantos outros possíveis em cena.

Sebastiana
O barulho acabou cedo. Entregaram foi de medo as terras que nos pertenciam.

Chico Mineiro
Na cerca das nossas terras, nem mexer ninguém imagina: os arames são de bala e os morão de carabina!

Cena 10

As cortinas são fechadas. As marionetes cantam a música "Ladrão de Terra".


Fim