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CARO AMIGO
Caro Amigo
Ontem, em Ouro Preto, assisti a um grande filme - Sob o Olhar do Mar - roteiro de Kurosawa, mas dirigido por um fiel assistente, Takashi Koizumi, depois que faleceu o grande diretor. Fiquei pensando um longo tempo sobre o filme. Veio-me a idéia de comparar Kurosawa ao nosso Professor Moura! O que os unia? Qual o ponto de convergência dos dois? Depois de algum tempo, concluí que nada, absolutamente nada os identifica. Sabe por que, caro amigo? É que Kurosawa, e talvez um dos fatores que tornem seus filmes tão grandes seja o valor que ele dá às pequenas coisas da vida. Em todos temos lindas paisagens, sons de rios, passarinhos, ou seja, tudo é muito natural e aproxima o que estamos vendo a um mundo de sonho em nossas cabeças; um mundo que já passou e deixa saudades. E, por tratar de questões filosóficas como honra, amizade, expondo assim pensamentos orientais e popularizando uma cultura tão fechada quanto a japonesa, talvez esse tenha sido um dos principais fatores que levaram à sua rejeição interna. O que é uma pena, pois não é preciso olhar com cuidado para perceber o amor com que sempre tratou seus temas e onde eles se passavam.
Bem, esse foi o cineasta! Mas e o Moura, qual a diferença? O professor sempre tratou das grandes coisas da vida! Ele sempre pensou grandes estruturas: a civilização mineira, a importância da arte e do pensar, o barroco, a religião católica, as ideologias, o folclore, a vida, a morte, a culinária. Quando tratou de temas filosóficos buscou o campo das virtudes - nossos valores morais - como a justiça, a boa fé, o humor e a prudência. Nunca foi humilde, apesar de nunca ter sido soberbo! Moura é anarquista (porém, inocente): ele freqüentemente nos fala das manipulações sócio-culturais pelas instituições, linguagem e práticas culturais. Nunca defendeu abertamente o anarquismo, mas sempre buscou a idéia de que não precisamos de nenhuma orientação centralizada com certa sutileza. Talvez por medo de perder o emprego naquela faculdade de gente tão conservadora!
Pensando bem, tem algo que os une: a curiosidade que nos des (perta). Segundo a psicanálise, um dia nos cansamos de tentar descobrir o desejo alheio e nos perguntamos: afinal, quem sou? O que desejo? Qual a verdade? Somos uma colagem de tudo e de todos; somos vários. Por isto, Fernando Pessoa (que foi o poeta que mais "sacou" a psicanálise) diz num verso: "... sou o intervalo entre o meu desejo e o desejo que os outros marcaram em mim". Os filmes de Kurosawa e as aulas de Moura nos ajudam a pensar, pensar com sabor, saber o "que não é". Tem um certo taoísmo nisto: os taoístas acreditam que quando um desejo é satisfeito, outro, mais ambicioso, brota para substituí-lo. Então nos ensinam que a vida deve ser apreciada como ela é, em lugar de forçá-la a ser o que não é. Idealmente, não se deve desejar, "nem mesmo não desejar".

Fica aqui esta pequena homenagem ao nosso querido Moura. Também é uma forma de lembrar com carinho os meus amigos. Bom Natal! Carlos.